quarta-feira, 24 de março de 2021

FREANDO BOLSONARO

Editorial O Estado de S.Paulo

O presidente Jair Bolsonaro achou que era o caso de comemorar seu aniversário, no domingo passado, comendo bolo com uma centena de devotos na frente do Palácio da Alvorada. Dizem que com a idade vem a sabedoria, mas não há sabedoria nenhuma em promover aglomeração numa festinha quando os brasileiros precisam ficar em casa, longe de familiares e com dificuldade para estudar e trabalhar, diante da escalada mortal da pandemia de covid-19 e do colapso do sistema de saúde.

No convescote, Bolsonaro aproveitou para reiterar seus reptos à democracia. Chamou os governadores de “tiranetes” por ampliarem as medidas de isolamento social. “Estão esticando a corda”, ameaçou o presidente, para em seguida dizer que fará “qualquer coisa pelo meu povo” – e esse “qualquer coisa”, segundo Bolsonaro, “é o que está na nossa Constituição, nossa democracia e nosso direito de ir e vir”.

Traduzindo a glossolalia bolsonarista: o presidente considera que as medidas de distanciamento servem para, em suas palavras, levar o povo à miséria e daí “para o tudo ou nada”, abrindo “o caminho para mergulhar no socialismo”. Esse é o pretexto que Bolsonaro vem invocando nos últimos dias para inventar que a Constituição lhe faculta o poder de decretar, à sua maneira, medidas de exceção, como estado de sítio.

O absurdo da ameaça de estado de sítio é tamanho que levou o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luiz Fux, a telefonar para Bolsonaro e cobrar explicações sobre suas declarações. Consta que o presidente negou ao ministro ter cogitado decretar medidas de exceção – o que suas próprias palavras desmentem –, mas o simples fato de que o presidente do Supremo tenha pedido esclarecimentos a Bolsonaro mostra que felizmente há limites institucionais para a desfaçatez.

Há limites políticos também. Reportagem do Estado publicada no domingo mostra que lideranças do Centrão começam finalmente a repensar o apoio que dão a Bolsonaro. “Ninguém vai querer se expor em um governo que pode acabar mal por causa da pandemia”, disse o deputado Fausto Pinato (Progressistas-SP).

As cobranças estão ficando cada vez mais explícitas. O Centrão pressionou pela troca no Ministério da Saúde para sinalizar uma mudança radical no modo como o governo administra a crise, mas Bolsonaro optou por um novo ministro que já declarou sua disposição de manter tudo como está. “A situação crítica do Brasil exige a coordenação do presidente da República, ações do Ministério da Saúde e toda colaboração dos demais Poderes”, demandou o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco.

Não deve ser nada fácil mesmo apoiar um presidente que já trocou de ministro da Saúde três vezes desde o início da pandemia, há um ano. Para piorar, a mais recente substituição, anunciada há uma semana, continua sem ser efetivada porque o novo ministro, Marcelo Queiroga, ainda não cumpre requisitos formais para ocupar o cargo, o que levou à esdrúxula situação de um Ministério da Saúde acéfalo, embora tenha dois ministros – um titular e um trainee.

Há ainda outro complicador. A conduta irresponsável de Eduardo Pazuello, o ex-ministro que ainda é ministro, à frente da Saúde durante a pandemia é objeto de inquérito no Supremo. Caso o intendente perca mesmo o status de ministro e, portanto, o direito a foro privilegiado, seu processo deve ser remetido à primeira instância. Especula-se que Bolsonaro pensa até em presentear seu fiel sabujo com um Ministério – algo que a então presidente Dilma Rousseff tentou fazer com Lula da Silva, para dar ao encalacrado chefão petista direito a foro privilegiado, o que escandalizou o País.

É disso que se ocupa diuturnamente o presidente da República: proteger a si mesmo e a seus chegados. Nada além disso – nem os mais de 2 mil mortos por dia, nem a falta de leitos nos hospitais, nem a lentidão da vacinação, nem o empobrecimento acelerado dos brasileiros – parece capaz de comover Bolsonaro.

Assim, todos os que têm algum poder devem exercê-lo para refrear a irresponsabilidade bolsonarista, seja retirando o apoio ao presidente, seja lembrando-lhe que sua vontade não é a lei.

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