sábado, 7 de agosto de 2021

BRASIL ASSISTE A DESCOMPOSTURA DE UM CHEFE DE GOVERNO

Ingrid Soares, Augusto Fernandes e Renato Souza, Correio Braziliense

O presidente Jair Bolsonaro mostrou que não está disposto a ceder em meio à crise institucional com o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e renovou os ataques, especialmente contra o ministro Luís Roberto Barroso, pivô da insatisfação do chefe do Executivo por ser contra a implementação do voto impresso. Ele chamou o magistrado de “filho da p*”.

A ofensa a Barroso aconteceu durante uma agenda de Bolsonaro em Joinville (SC). O presidente parou para falar e tirar fotos com apoiadores e suspeitou que um homem, na aglomeração, tinha sido mandado pelo ministro para atrapalhá-lo. “O filho da p* ainda traz gente dessa maneira. Aquele filho da p* do Barroso”, esbravejou Bolsonaro. O vídeo com a fala do chefe de governo foi postado nas redes sociais dele, mas apagado posteriormente.

Apesar do xingamento, Bolsonaro negou que esteja investindo contra o presidente do TSE. “Estou atacando o Barroso? Não estou. Acho que ele deveria se orgulhar e ouvir, da minha parte, a verdade. É ele que fala que as urnas são invioláveis, o termo mais adequado seria impenetráveis. Esse tipo de gente quer decidir as eleições no ano que vem. Quero e desejo eleições limpas, democráticas, sem que meia dúzia de pessoas conte os votos numa sala escura”, frisou, durante palestra a empresários na cidade catarinense. “Nunca proferi uma só palavra, tive um só ato, uma só posição fora das quatro linhas da Constituição.” Ele também acusou “parte” do STF de querer “a volta da corrupção e da impunidade”.

Bolsonaro voltou a colocar as eleições de 2022 em risco. Disse que a culpa é de quem se recusa a aceitar mudanças no sistema eleitoral. “Não quero poder, quero paz e soberania, quero a liberdade de vocês, mas a alma da democracia é o voto, e o que querem é eliminar o voto”, ressaltou.

Ministros reagem

Se Bolsonaro mantém a ofensiva, ministros das Cortes também deram recados de que não pretendem apaziguar os ânimos com o presidente enquanto ele não diminuir o tom. “Sou um ator institucional, não político. Não tenho interesse nem cultivo polêmicas pessoais. A conquista e a preservação da democracia foram causas da minha geração, e é a isso que eu dedico a minha vida. Não paro para bater boca, não me distraio com miudezas. Meu universo vai muito além do cercadinho”, rebateu Barroso, ao participar de um evento organizado por Comunitas, RenovaBR e Insper, que discutiu a proposta do semipresidencialismo.

O presidente do TSE criticou nações que não respeitam a democracia. Não chegou a citar o Brasil, mas lembrou que o país “faz parte do mundo” e frisou que “em alguns países se criou também a mentirocracia, que é a difusão da inverdade e das narrativas falsas como método de governo e estratégia de manipulação das massas”. “Criam-se milícias de fanáticos e de mercenários que vivem de disseminar ódio, desinformação e teorias conspiratórias com o propósito de enfraquecer as instituições.”

Além dele, Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes participaram do evento. Ambos se solidarizaram com Barroso e defenderam a democracia e a Constituição. Apesar das ameaças de Bolsonaro de agir fora das quatro linhas da Carta Magna, Mendes descartou que o país corra risco de golpe. “Tendo a pensar que a democracia está solidificada. Temos tido esses arroubos ao longo desses períodos, mas as respostas institucionais têm prevalecido. O Congresso Nacional e o Judiciário têm dado respostas adequadas. As Forças Armadas compreendem seu papel institucional”, disse o decano do STF.

Moraes, por sua vez, acrescentou que “bravatas não levam a golpe”. Ele também criticou quem ameaça a realização das eleições em 2022. “A Constituição será absolutamente cumprida no ano que vem. Se alguns não gostam, podem reclamar, mas não podem atuar contrariamente”, enfatizou. “Os maiores defensores do atraso são aqueles que se elegeram pela modernidade. Salvo a vontade de proliferar esse discurso de ódio, raivoso, não há racionalidade no que vem sendo dito.”

Fux cobra posição de Aras sobre ataques

Em meio à turbulência na Praça dos Três Poderes, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, se reuniu por quase uma hora com o procurador-geral da República, Augusto Aras, na manhã de ontem.

Na conversa, o ministro pediu que o chefe do Ministério Público Federal seja mais firme em relação aos ataques do presidente Jair Bolsonaro contra o Poder Judiciário — a mesma postura foi cobrada por subprocuradores-gerais da República (leia reportagem abaixo). Além disso, o magistrado destacou a necessidade de se proteger a democracia e disse que Aras deve ficar vigilante ao sistema democrático.

Em nota divulgada após o encontro, o STF informou que Fux e Aras “reconheceram a importância do diálogo permanente entre as duas instituições”. Já a Procuradoria-Geral da República, também em nota, disse que ambos “renovaram o compromisso da manutenção de um diálogo permanente entre o Ministério Público e o Judiciário para aperfeiçoar o sistema de Justiça a serviço da democracia e da República”.

Ao ouvir de Fux a necessidade de proteger a democracia, Aras deu indicação positiva de que cumpriria seu papel. Nesta semana, Bolsonaro afirmou que pode agir fora das “quatro linhas da Constituição”, em entrevista à rádio Jovem Pan. Ele chamou o ministro Alexandre de Moraes, do STF, de “ditatorial” e disse que a “hora dele vai chegar”, após ter sido incluído como investigado no inquérito das fake news, em andamento na Corte, sob a relatoria do magistrado. (AF, IS, RS)

Subprocuradores criticam omissão do PGR

Uma carta pública assinada por subprocuradores-gerais da República pede que o chefe do Ministério Público, Augusto Aras, atue para coibir ataques do presidente Jair Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Eles destacam que o procurador-geral da República deve “agir enfaticamente” para proteger a democracia.

O documento revela a insatisfação que Aras provoca dentro do próprio órgão que conduz. Ele é acusado de se omitir diante de eventuais crimes do presidente no âmbito da pandemia e se distanciar de seu papel diante da crise política. Somente o procurador-geral tem o poder de apresentar uma acusação formal contra o chefe do Executivo e denunciá-lo — o Supremo Tribunal Federal dá andamento à investigação e colhe provas, mas, para condenar o presidente, é preciso uma denúncia da Procuradoria-Geral da República.

“Na defesa do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral, de seus integrantes e de suas decisões, deve agir enfaticamente o procurador-geral da República — que, como procurador-geral eleitoral, tem papel fundamental como autor de ações de proteção da democracia — não lhe sendo dado assistir passivamente aos estarrecedores ataques àquelas cortes e a seus membros, por maioria de razão quando podem configurar crimes comuns e de responsabilidade e que são inequívoca agressão à própria democracia”, afirma um trecho da carta.

Os subprocuradores avaliam que pode existir conduta criminosa nas declarações e ações de Bolsonaro. O presidente chegou a dizer que poderia atuar “fora das quatro linhas da Constituição”.

“Incumbe prioritariamente ao Ministério Público a incondicional defesa do regime democrático, com efetivo protagonismo, seja mediante apuração e acusação penal, seja por manifestações que lhe são reclamadas pelo Poder Judiciário”, ressaltam os subprocuradores.

No texto, eles destacam que o sistema eleitoral e as urnas “mostraram-se invariavelmente confiáveis, sendo inaceitável retrocesso a volta das apurações manuais, pela constatada possibilidade de manipulação de seus resultados e a expressiva demora na apuração”.

Aras foi indicado por Bolsonaro para ser reconduzido ao cargo. Ele ainda precisa ter o nome aprovado pelo Senado para novo mandato. O PGR poderá ser indicado a uma vaga no Supremo, em 2023, caso o chefe do Planalto seja reeleito.

Aliados de Aras observam que ele sempre sonhou em ocupar uma cadeira no STF, mas, no mês passado, Bolsonaro indicou André Mendonça, que deixou a Advocacia-Geral da União (AGU), e também terá de passar pelo crivo do Senado. (Renato Souza com Agência Estado)

Signatários

Entre os signatários do manifesto estão nomes de peso do mundo empresarial e financeiro, como Frederico e Luiza Trajano, do Magazine Luiza; Pedro Moreira Salles e Roberto Setubal, do Banco Itaú Unibanco; Carlos Jereissati, do Iguatemi; Pedro Passos e Guilherme Leal, da Natura; e Luis Stuhlberger, gestor do Fundo Verde. Também assinam economistas como Armínio Fraga, Pedro Malan, Ilan Goldfajn, Persio Arida, André Lara Resende, Alexandre Schwartsman e Maria Cristina Pinotti.

“Nem o presidente pode agredir a Suprema Corte”

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), também reagiu às declarações do presidente Jair Bolsonaro que colocam em suspeição a realização das eleições em 2022. O parlamentar descartou a possibilidade de o pleito não ser realizado.

“Não podemos questionar a lisura das eleições”, disse, em entrevista à Globonews. “Todo aquele que pregar algum tipo de retrocesso democrático ou de que não haverá eleições de 2022 será apontado pelo povo como inimigo da nação. Temos compromisso com a democracia, com a realização de eleições periódicas, que é a expressão mais pura da soberania popular e da vontade do povo, do sufrágio universal, do voto direto e secreto. Não vamos admitir retrocesso”, enfatizou.

Pacheco reafirmou a “absoluta confiança no sistema eleitoral brasileiro, sobre o qual há questionamentos e críticas, mas não há nenhum fundamento concreto de alguma vulnerabilidade”. “Nós não podemos, com base em um discurso ou teoria, modificar um sistema que até poucos anos atrás era motivo de orgulho”, frisou.

Ele também saiu em defesa do Supremo Tribunal Federal (STF), um dos alvos dos ataques de Bolsonaro. “Nem o presidente da República nem qualquer cidadão pode agredir a Suprema Corte do país”, destacou. O parlamentar enfatizou que a situação entre os Poderes “não vai bem”, mas disse apostar no diálogo para “melhorar a situação” e colocou o Senado à disposição para ser um ponto de pacificação.

Distritão

Pacheco também criticou a sugestão de mudança do sistema eleitoral vigente, o proporcional, para o “distritão”. Segundo ele, não é razoável mudar o sistema vigente. “Temos criatividade legislativa no Brasil de tentar mudar as regras com a bola rolando”, reprovou.

Segundo Pacheco, para se ter um sistema eleitoral mais eficiente no país é preciso reduzir o número de partidos políticos e dar condições igualitárias de disputa. “No Senado, há tendência à manutenção do sistema proporcional, com cláusula de barreiras”, afirmou.

No modelo distritão, que já foi rejeitado duas vezes pela Câmara dos Deputados, os candidatos disputam votos em todo o estado, que passam a ser considerados distritos, com a mesma quantidade de vagas no parlamento atual. Com isso, a campanha para deputado seria semelhante a uma eleição majoritária, como a de governadores, prefeitos, senadores e presidente da República.

Apesar de já ter rejeitado o tema antes, o distritão é um dos destaques da reforma eleitoral em debate na Câmara. Sob análise de uma comissão especial, o texto deve ser votado no colegiado na próxima semana.

No sistema proporcional, usado atualmente, o eleitor pode votar tanto em partidos quanto em candidatos. A Justiça Eleitoral calcula o quociente eleitoral, levando em conta somente os votos válidos e a quantidade de cadeiras em disputa em cada estado. A partir desse quociente, é feita a definição do número de vagas a que cada coligação ou partido isoladamente terá direito. Elas são ocupadas pelos mais bem votados das listas.

Maioria vê governo ruim

Apesar do acirramento das relações entre Executivo e Judiciário, a avaliação do governo Jair Bolsonaro apresentou um aumento das avaliações regulares em contraste com a diminuição das avaliações positivas ou negativas, mostra levantamento do banco Modalmais e consultoria AP Exata. De acordo com a pesquisa, 44,5% dos brasileiros avaliam o governo como ruim ou péssimo (1 ponto porcentual a menos que na última semana), 28,6% como bom ou ótimo (0,6 p.p. a menos) e 26,8% como regular (1,5 p.p. a mais). Segundo o relatório, a redução da avaliação negativa é resultado de “ampla e sistemática atuação da militância bolsonarista” em favor da defesa do presidente e da adoção do voto impresso para as próximas eleições. O apoio foi deflagrado pelo agravamento da crise institucional. De acordo com o levantamento, esta semana inaugurou nova fase do governo, em que o presidente vive uma tendência de queda da aprovação e tenta se manter no poder agarrado ao Centrão, “grupo político fisiológico que carrega na manga a carta do impeachment, que pode ser lançada caso Bolsonaro se recuse a obedecer às regras”.

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