Irritado porque o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou na última sexta-feira que a taxa de desemprego no segundo trimestre deste ano foi de 14,6%, o que, a seu ver, prejudica não apenas a imagem do governo num ano pré-eleitoral, mas, também, a de sua própria gestão à frente do Ministério da Economia, o ministro Paulo Guedes voltou a entrar em rota de colisão com esse órgão. Agora, ele o acusou de “estar na idade da pedra lascada”.
Esse tipo de desqualificação e a motivação que o levou a recorrer a ela dão a dimensão de como o ministro não tem o menor apreço pelas instituições. Criado em 1938, o IBGE foi originariamente concebido como um órgão encarregado de coordenar a produção estatística do País, integrando dados estatísticos e informações coletadas pelas prefeituras, pelos Estados e pela União. Com o tempo, ele mesmo passou a promover pesquisas, das quais a mais importante é o Censo Demográfico. Por seu alcance, capilaridade e capacidade de captar informações em todas as regiões de um país com dimensões continentais, ele faz levantamentos e pesquisas que a iniciativa privada não tem condições técnicas e logísticas de promover e que são decisivas para o planejamento de seus projetos de expansão e criação de novos negócios.
Desde que assumiu o Ministério da Economia, Guedes não esconde sua antipatia por essa instituição. Alegou que ela custa caro, criticou seu corpo técnico, defendeu a contratação de trabalhadores temporários e negou recursos orçamentários para a realização do Censo Demográfico de 2020. O que o levou a entrar em novo confronto com o IBGE, na semana passada, foi uma divergência sobre números do emprego entre a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, feita pelo órgão, e o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), que trabalha com dados oficiais das empresas. Segundo Guedes, embora o governo venha “gerando praticamente 1 milhão de empregos a cada três meses e meio”, a Pnad Contínua estaria atrasada na coleta desses números, entre outros motivos, por usar entrevistas por telefone para calcular a taxa de desemprego.
O que o ministro despreza por conveniência política é que as bases de dados dessas duas pesquisas são distintas, motivo pelo qual seus números não podem ser comparados. Seguindo padrões internacionais, a Pnad Contínua capta modalidades de trabalho – como o informal, por exemplo – que não aparecem nos números do Caged. O que Guedes também oculta é que as pesquisas do IBGE sobre emprego sempre foram presenciais. Elas só passaram a ser realizadas por telefone por causa da pandemia e agora, com o avanço da vacinação, as entrevistas presenciais estão sendo gradativamente retomadas.
Como era inevitável, as críticas de Guedes foram mal recebidas pela comunidade científica. Presidente do IBGE entre 2017 e 2019, o engenheiro Roberto Olinto afirmou que o ministro da Economia foi duplamente “leviano”. De um lado, por revelar um total desconhecimento técnico sobre pesquisas sobre desemprego. E, de outro, por ter criticado o sistema de entrevista telefônica do IBGE apenas com o objetivo de desviar a discussão da questão essencial, “que é o elevado desemprego detectado pela Pnad Contínua”. Não menos contundentes foram as críticas do sociólogo Simon Schwartzman, que presidiu o IBGE entre 1994 e 1998. “Se Guedes acha que o órgão está na idade da pedra lascada, o que está fazendo para melhorar? Ele é o responsável pelo IBGE e fala como se não fosse. Além de dizer bobagem, se o IBGE tem dificuldades é porque o ministro não sabe cuidar dele.”
Ao seguir assim a triste sina do governo do qual faz parte, e que prima por tentar reiteradamente desqualificar ou afrontar as instituições, Paulo Guedes acabou cometendo um grave equívoco político. Ele se esqueceu de que, quanto mais tenta desacreditar órgãos públicos que se negam a manipular estatísticas e informações que permitam maquiar a imagem de um governo inepto e desastroso, mais ele perde credibilidade e se desmoraliza.
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