Daniel Martins-de-Souza - Professor de bioquímica e diretor do Laboratório de Neuroproteômica da Unicamp e pesquisador do Instituto D’Or
Os seres humanos são cientistas por natureza. Aplicamos o método científico todos os dias em diversas situações de nossas vidas. Infelizmente, com o passar dos anos, essa chama é paulatinamente apagada dentro de nós. O ápice desse processo é precisar conviver com um corte de 92% no já reduzido investimento que tínhamos previsto para a ciência em 2022.
Quaisquer soluções advindas da criatividade humana seguem, mesmo sem querer, o método científico, que os cientistas são treinados a usar todos os dias. Quando frente a um problema, como uma pandemia, todo cientista que se preze arregaça as mangas e procura resolvê-lo. É assim que a ciência traz soluções para as novas realidades.
Sociedades mais bem estabelecidas, cuja compreensão de mundo é pautada na ciência, têm mais investimentos no setor, mesmo em momentos de dificuldade. Vide a Coreia do Sul, que investe atualmente 4,5% do PIB em pesquisa e desenvolvimento, o que ajudou o país a superar a forte crise financeira de 2008. Outro exemplo foi a atitude do Congresso dos EUA que, frente à proposta de drásticos cortes orçamentários feitos por Donald Trump, rebateu com a manutenção e até eventual aumento do financiamento à ciência.
Afinal, foi a ciência que permitiu chegarmos tão rápido a soluções para a pandemia, como no caso das vacinas para a Covid-19, que surgiram não só devido ao volume de cientistas debruçados sobre o assunto, mas também por causa dos investimentos de tomadores de decisão. A aposta financeira nos cientistas permitiu que hoje, com o aumento da cobertura vacinal, possamos sonhar com a volta à vida normal.
Ciência não é gasto, é investimento, diz o jargão, que claramente não é ainda apreciado no Brasil, que mais uma vez corta os investimentos em ciência no país.
A estrutura científica brasileira, forjada nas últimas décadas junto a cientistas excelentemente formados aqui e no exterior, propiciou uma rápida resposta à Covid-19. Já há muito conhecimento “made in Brazil” beneficiando o país e o mundo nesta pandemia, como o estudo que deu os primeiros passos na compreensão da gravidade do diabetes na enfermidade.
O que vimos nos últimos 18 meses foi muito potencial, mas com pouca credibilidade. Largamos muito bem, com laboratórios abertos 24 horas por dia, cientistas empolgados em buscar soluções mesmo correndo risco de vida. Mas, quando precisamos de ar para continuar, faltou fôlego, porque não tínhamos o investimento necessário.
A pandemia teria sido uma excelente oportunidade para que o Brasil ultrapassasse seus limites científicos, nos levando a expandir nossas capacidades. Poderíamos até ter uma vacina 100% brasileira se tivesse existido, no começo de 2020, maior compreensão da capacidade que a ciência e os cientistas têm. Poderíamos estar no jogo, em elevado nível, para a busca de uma solução medicamentosa.
Sobrou ânimo para os cientistas, mas nos faltou fôlego. E o “ar” que nos falta foi uma opção de quem decidiu não investir em nós.
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