domingo, 31 de outubro de 2021

FEMINISMO SEM DOGMAS

Hélio Schwartsman, Folha de S.Paulo

Gostei de "The Right to Sex" (o direito ao sexo), da filósofa Amia Srinivasan. Ela consegue ao mesmo tempo abraçar posições feministas e desenvolver uma reflexão honesta e não dogmática sobre o movimento, não raro expondo contradições que os grupos mais interessados em vencer batalhas do que em promover o bom debate prefeririam esconder. Melhor ainda, a autora consegue manter-se antiautoritária sem deixar de problematizar o que podemos chamar de "laissez-faire" sexual. Concordo com algumas de suas conclusões e discordo de várias outras, mas não há como não apreciar a clareza e a profundidade de seus argumentos.

Meu plano era fazer observações sobre "o direito ao sexo", nome do ensaio que dá título ao livro, mas como o João Pereira Coutinho foi mais rápido que eu, passo a outra questão polêmica: é correto universidades proibirem professores de relacionar-se sexualmente com estudantes? Fugindo um pouco a seu antiautoritarismo, Srinivasan pensa que esse é um caso em que o consentimento das partes não basta para tornar a relação ética. Mesmo que ambos desejem o sexo, quando ele se concretiza o princípio pedagógico, que deveria orientar as interações entre professores e alunos, é subvertido, e a tarefa de ensinar fica prejudicada, se não interditada. A analogia aqui é com o psicanalista que se envolve romanticamente com o analisando.

De novo, é difícil rejeitar os argumentos da autora, mas, se professor e estudante estiverem ambos dispostos a trocar a relação pedagógica pela sexual, por que não poderiam fazê-lo? Não estamos falando aqui de desistir do magistério, no caso do primeiro, ou da educação universitária, no do segundo, mas de abrir mão de um aluno entre muitos e de uma disciplina entre várias. Não consigo abandonar a ideia de que, ao fim e ao cabo, é só o consentimento que deve dar as cartas. Entre a burocracia universitária e o amor, fico com o amor.

Ilustração de Annette Schwartsman para a coluna de Hélio Schwartsman de 31.out.2021 - Annette Schwartsman

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