O governo dos Estados Unidos afirmou ontem (28/01) que “o Brasil tem a responsabilidade de defender os princípios democráticos e proteger a ordem baseada em regras, e reforçar esta mensagem para a Rússia em todas as oportunidades”.
A declaração foi dada diante de questionamento da BBC News Brasil sobre a visita do presidente brasileiro Jair Bolsonaro (PL) ao mandatário russo Vladimir Putin, marcada para fevereiro.
A viagem foi confirmada ontem por Bolsonaro, em meio a uma escalada de tensões militares na fronteira entre Rússia e Ucrânia.
“Ele [Putin] é conservador sim. Eu vou estar mês que vem lá, atrás de melhores entendimentos, relações comerciais. O mundo todo é simpático com a gente”, disse Bolsonaro a apoiadores nesta quinta, 27/1, em frente ao Palácio da Alvorada.
Há meses os russos estacionam tropas em pontos estratégicos próximos ao território ucraniano e exigem a proibição do ingresso da Ucrânia na Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte).
Do outro lado, os EUA e os membros da aliança militar prometem socorrer a Ucrânia, a quem têm abastecido com armas, e o presidente americano Joe Biden mantém 8,5 mil soldados americanos de prontidão para enviar a bases nos países bálticos se Moscou seguir em frente com alguma iniciativa bélica na região.
O Brasil é hoje um aliado americano militar extra-Otan – título concedido ao país ainda na gestão de Donald Trump – e, no ano passado, recebeu endosso dos Estados Unidos para se tornar um parceiro global da aliança militar, o que expandiria ainda mais acessos brasileiros a armamentos e treinamentos militares conjuntos.
Além disso, o país acaba de assumir um assento temporário no Conselho de Segurança da ONU. Há pouco mais de duas semanas, o secretário de Estado americano Antony Blinken falou com o chanceler brasileiro Carlos França por telefone sobre o que o Departamento de Estado dos EUA afirmou serem “prioridades compartilhadas, incluindo a necessidade de uma resposta forte e unida contra novas agressões russas à Ucrânia”.
Já o Itamaraty confirmou em nota que a Ucrânia fez parte da conversa entre os ministros, no entanto, com ênfase muito menor ao assunto do que a dada pelos americanos.
Apesar de o assunto fazer parte do diálogo, os americanos não foram comunicados por canais diplomáticos pelos brasileiros a respeito da viagem.
“Estamos cientes da viagem (de Bolsonaro à Rússia) por causa de informações públicas”, afirmou à BBC News Brasil um porta-voz do Departamento de Estado dos EUA.
O governo americano ainda disse que “os EUA e um número significativo de países estão preocupados com o papel desestabilizador que a Rússia está desempenhando na região”.
Questionado sobre qual seria o teor da agenda tratada pelo presidente brasileiro com Putin e se, como aliado extra-Otan, se posicionará sobre o conflito entre Rússia e países da aliança, o Itamaraty apenas recomendou que a BBC News Brasil consultasse o Palácio do Planalto.
Já o Planalto respondeu à reportagem que não tem detalhes da viagem até o momento e não comentou as declarações do Departamento de Estado.
Reservadamente, um diplomata brasileiro afirmou à BBC News Brasil que o país trata de modo “soberano” de seus interesses, “sem ter que pedir autorização a nenhum outro país” e, historicamente, “conversa com todo mundo, sem que isso signifique concordar com tudo o que o interlocutor faz”.
Commodities e Telegram
Ao contrário dos EUA e da China, a Rússia não é um aliado comercial de grande importância para o Brasil (não está nem entre os dez principais parceiros).
Dentre os produtos brasileiros, os russos importam soja, proteína animal, açúcar, café e tabaco. De outro lado, exportam para o Brasil insumos agrícolas como fertilizantes, potássio e ureia.
Nos últimos anos, enquanto aumentam barreiras de proteção a produtos brasileiros como a carne bovina, eles têm demonstrado interesse em investir na Usina Nuclear de Angra 3 e em obras de infraestrutura, como terminais portuários.
As conversas sobre acordos comerciais bilaterais nunca avançaram a contento e não há neste momento, ao menos da parte brasileira, qualquer expectativa de que um tratado desse tipo possa ser firmado entre os dois países.
Aos apoiadores, além de genericamente falar em avançar “entendimentos” e “relações comerciais”, Bolsonaro citou o aplicativo de mensagens russo Telegram. A rede, uma das preferidas para comunicação com eleitores pela família Bolsonaro, virou alvo de ações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), preocupado com o potencial do aplicativo de disseminação em massa de desinformação. Ao contrário de outras plataformas, o Telegram não tem escritório no Brasil.
“Está tratando, está tratando do assunto aí”, disse Bolsonaro, quando perguntado sobre o Telegram. “A gente está vendo aqui a covardia que estão querendo fazer com o Brasil. Covardia, né”, afirmou o presidente, que é contrário às restrições impostas ao aplicativo pela Justiça.
Simpatia entre Putin e Bolsonaro
A simpatia entre Putin e Bolsonaro não é recente. Em 2020, durante a Cúpula dos BRICS, bloco composto pelos dois países, mais China, Índia e África do Sul, o mandatário russo disse que o chefe de Estado brasileiro detinha “as melhores qualidades masculinas”.
“O senhor expressou as melhores qualidades masculinas e de determinação. O senhor foi buscar a solução de todas as questões, antes de tudo na base dos interesses do seu povo, seu País, deixando para depois as soluções ligadas aos problemas de sua saúde pessoal. Isso é para todos nós um exemplo de relacionamento corajoso com o cumprimento de seu dever e a execução de suas obrigações na qualidade de chefe de Estado”, disse Putin, a respeito da gestão de Bolsonaro da pandemia, que gerou críticas internacionais ao brasileiro.
Em dezembro, pouco depois da visita do chanceler brasileiro à Rússia, Putin formalizou um convite a Bolsonaro para visitar o Kremlin. “Ficaremos felizes em ver o presidente do Brasil na Rússia”, disse à agência estatal russa Tass, e complementando que o Brasil é “um dos países mais estratégicos” com quem a Rússia mantém relações. Diante do convite, Bolsonaro se disse “muito feliz, muito honrado” e afirmou se tratar de uma janela de oportunidade.
“Vamos nos preparar para fazer dessa visita uma oportunidade de alavancarmos a nossa economia”, disse o presidente ainda em dezembro do ano passado.
Diplomatas e especialistas em comércio exterior veem na visita uma tentativa política por parte de Bolsonaro de mostrar aos eleitores domésticos que mantém interlocutores internacionais de alto nível.
Já para Putin, que acusa os americanos de se aproximarem militarmente de seu território, receber o presidente do maior país da América Latina é um ativo enquanto o restante do Ocidente endurece sua posição contra ele. Antes do brasileiro, Putin receberá também em fevereiro o presidente argentino Alberto Fernandez.
Ao contrário do que desejam os Estados Unidos, é improvável que o Brasil faça qualquer admoestação pública ou privada a Putin. Em 2014, quando os russos anexaram a até então ucraniana Crimeia, o Brasil, à época presidido por Dilma Rousseff, se omitiu por completo em relação ao conflito.
Em 2015, o Brasil passou a ser um dos apoiadores dos termos da Resolução 2022 do Conselho de Segurança da ONU, que trata dos Acordos de Minsk para o fim do conflito entre os separatistas pró-Rússia e as forças armadas da Ucrânia na porção leste do território ucraniano.
Porém, os acordos, que previam a retirada do armamento pesado e o respeito ao cessar-fogo, foram desrespeitados sucessivas vezes.
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