segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

CANAIS BOLSONARISTAS USAM BRECHAS DO YOUTUBE PARA SEGUIR NO AR

Marlen Couto, O GLOBO

Fake news: Canais bolsonaristas usam brechas do YouTube para seguir no ar

Brechas nas regras estabelecidas pelo próprio YouTube têm permitido que canais com vídeos removidos sucessivamente por desinformação sobre a Covid-19 sigam no ar. Em parceria com a consultoria Novelo Data, O GLOBO identificou que, nos casos do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e do pastor Silas Malafaia, bloqueios para a postagem de novos conteúdos não foram aplicados mesmo com a reincidência no desrespeito às normas internas.

Levantamento da consultoria mostra que Flávio já teve quatro vídeos retirados do ar pela plataforma — o primeiro episódio aconteceu em julho de 2020, e o segundo, em janeiro do ano passado. Os dois casos mais recentes de exclusão ocorreram em dezembro de 2021, com intervalo de 20 dias. Ao menos três deles abordavam a Covid-19, o que sugere violação da política do YouTube sobre o assunto.

Em nota divulgada após a última remoção, a plataforma disse que se tratava do primeiro aviso ao canal. Os dados da Novelo indicam, porém, que a conta do senador já tinha sido alvo de remoções antes e, portanto, deveria ter sido punida ao menos com um bloqueio de sete dias, o que não aconteceu. Procurado, o YouTube não esclareceu o critério adotado.

Situação semelhante ocorre em relação ao canal de Malafaia, que também teve quatro vídeos excluídos. As duas últimas remoções ocorreram nos dias 12 e 13 de janeiro, após ataques à vacinação infantil. Considerando as regras da rede, o canal deveria ter sido alvo, pelo menos, de um bloqueio de duas semanas. O YouTube também não comentou o critério adotado neste caso. Ao todo, o levantamento da Novelo mapeou 41 vídeos tirados do ar nos últimos 90 dias em 33 canais bolsonaristas — ao menos 22 publicações tratavam da Covid-19.

As regras do YouTube estabelecem que a punição a um canal pode acontecer por violações recorrentes ou depois de uma infração grave, como spam e pornografia. No caso das normas sobre a Covid-19, há um sistema de avisos. O modelo, porém, permite que um perfil descumpra seguidamente os parâmetros e receba advertências mais brandas, como bloqueios temporários, sem risco de exclusão permanente, caso as remoções ocorram fora de um intervalo de 90 dias.

Na primeira violação, é emitido um alerta, enquanto na segunda vez, há o impedimento de postar novos conteúdos por sete dias. No terceiro episódio (caso ocorra dentro de 90 dias, contados a partir da primeira ocorrência), a restrição de publicação se estende por 14 dias. Por fim, se o dono do perfil cometer outra infração no mesmo período de 90 dias, o canal é removido permanentemente. Ao longo desse processo, os canais podem recorrer das remoções, o que pode reverter as punições e “zerar” a contagem.

— É possível fazer um cronograma em que você nunca acumule três avisos em 90 dias — resume o pesquisador João Guilherme Bastos, do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital.

YouTube reitera regras

Os dados da Novelo Data indicam que outros cinco canais bolsonaristas podem ser alvos de remoções e bloqueios se infringirem as regras da plataforma nas próximas semanas. É o caso da médica Roberta Lacerda, que já teve seu perfil excluído do Twitter por compartilhar mensagens falsas sobre a vacina contra a Covid-19. A conta já soma três remoções entre janeiro e fevereiro. Em tese, uma nova remoção pode levar ao banimento da plataforma.

Também está sujeito a punição o canal dos médicos Albert e Carla Dickson, defensores do uso de ivermectina contra a Covid-19. A conta teve dois vídeos sobre o assunto removidos desde janeiro. Outro exemplo é o canal bolsonarista Folha Política, que teve dois vídeos excluídos no fim de dezembro. Em outubro de 2021, o próprio presidente Jair Bolsonaro ficou impedido de publicar por sete dias.

Sócio da Novelo Data, Guilherme Felitti acrescenta que há necessidade de mais transparência nas normas de combate à desinformação:

— Fica difícil entender por que esses canais não são punidos ou saem do ar, se existe outra interpretação dessas regras, porque o YouTube não detalha essa informação. Outro ponto é que a gente não sabe exatamente o que levou à exclusão desses vídeos. O YouTube, quando exclui um conteúdo, apresenta informações genéricas.

Em nota, a plataforma não tratou dos casos específicos relatados e disse que os conteúdos precisam seguir as diretrizes: “Contamos com uma combinação de sistemas inteligentes, revisores humanos e denúncias de usuários para identificar material suspeito”, disse o YouTube. Flávio e Malafaia não responderam.

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