sábado, 5 de fevereiro de 2022

COMBUSTÍVEL ELEITORAL

Editorial Folha de S.Paulo

Movido pelo desespero da queda de popularidade e com a reeleição em risco, Jair Bolsonaro (PL) se mostra disposto a patrocinar mais um ataque ao que resta de controle sobre as contas públicas.

Com o apoio da ala política do Palácio do Planalto, tramitam no Congresso duas propostas de emenda à Constituição para a redução de impostos sobre combustíveis, que podem custar mais de R$ 100 bilhões, segundo estimativas.

Na Câmara dos Deputados, uma PEC autoriza que sejam reduzidos a zero os tributos sobre gasolina, etanol, diesel e gás de cozinha —o que constitui nova afronta ao ministro Paulo Guedes, que pretendia limitar a benesse ao diesel.

Com a aprovação do texto, seria dispensada a compensação pela renúncia de receita, num drible à Lei de Responsabilidade Fiscal.

Para pressionar governadores, também se prevê a possibilidade de redução do ICMS. O impacto, considerando apenas os impostos federais, chega a R$ 50 bilhões, ou R$ 75 bilhões se for desonerada também a energia elétrica.

Mas algumas alas do governo querem ainda mais e ensaiam apoiar outra PEC, que tramita no Senado. Nesta, além dos cortes de tributos, prevê-se auxílio de R$ 1.200 para caminhoneiros, ampliação do vale-gás e transferência de R$ 5 bilhões a prefeituras para evitar o aumento das tarifas de ônibus.

Aventa-se ainda a criação de um fundo custeado com dividendos da Petrobras e outras receitas. Os parlamentares alimentam a ilusão de que os pagamentos da estatal ao governo estão livres para uso, como se não fizessem parte de um Orçamento já deficitário.

A concorrência de propostas irresponsáveis mostra que não há maior pudor em fazer avançar medidas populistas no ano eleitoral. É certo, porém, que ignorar restrições orçamentárias trará impactos que poderão resultar exatamente no oposto do que se pretende.

Como já amplamente demonstrado no passado, tentativas de controlar preços com sacrifício do equilíbrio fiscal são contraproducentes e fadadas ao fracasso.

A fragilização das finanças públicas eleva a cotação do dólar, pressiona a inflação e contribui para alta ainda maior dos juros, o que amplia o risco de uma recessão.

O cenário internacional tampouco é favorável. Com a retomada global, os preços internacionais do petróleo continuam a subir. Não é improvável que os preços menores na bomba sejam anulados em pouco tempo, restando apenas o prejuízo para o erário.

Gestão temerária de recursos públicos e desconsideração pela saúde financeira do país só prejudicarão a população. Nada disso entra na conta do Planalto e do centrão, movidos por um vale-tudo eleitoral que deveria ser neutralizado imediatamente pelas forças políticas responsáveis, na hipótese de que reste alguma no Congresso.

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