Jair Bolsonaro foi o último líder mundial a aparecer em fotos, com um sorriso orgulhoso nos lábios sempre abertos em demasia para ocasiões formais, ao lado de Vladimir Putin antes de o autocrata russo efetivar a invasão militar a um país soberano e iniciar uma guerra cuja extensão ainda está por ser determinada.
Não satisfeito em ir a Moscou em condições sabidamente adversas e delicadas e em se regozijar com o acesso e a proximidade concedidos a ele por Putin, expressou uma difusa “solidariedade” ao russo quando ele já se encaminhava para colocar em prática seus antigos e meticulosos planos de guerra.
Para coroar a trapalhada, a visita foi precedida e sucedida por um show de babação de ovo sobre Putin da parte do próprio presidente, de seus ministros, de parlamentares e de outros menos credenciados.
E agora? Agora, todos os “conselheiros” que levaram Bolsonaro a pagar essa sucessão de micos demonstram perplexidade com a escalada do conflito e não conseguem dar uma resposta rápida e inequívoca que tire o Brasil da insustentável posição de não condenar a invasão de um país a outra nação soberana, princípio básico e elementar que deveria nortear a diplomacia em uma democracia.
Essa situação não é vexatória apenas para Bolsonaro e seus ideólogos, entre os quais o ministro sanfoneiro Gilson Machado, mas para o Brasil.
Não precisava ser assim, tivesse o governo alguma racionalidade em temas sérios, ouvindo as burocracias credenciadas a tratar de assuntos complexos com a seriedade que eles requerem. O Itamaraty foi reduzido, primeiro sob Ernesto Araújo, e mesmo agora, com Carlos França, a um puxadinho do que elucubram Eduardo Bolsonaro, Filipe G. Martins, o finado Olavo de Carvalho e outras pessoas alheias às tradições diplomáticas do país e aos múltiplos aspectos que precisam ser levados em conta diante de uma situação com potencial de levar a um conflito de proporções globais.
Sem peso, emite notas tíbias que tratam como “hostilidade” o que foi uma agressão da Rússia à ordem mundial estabelecida no Pós-Guerra e a suas instituições de governança.
França virou um carregador de papéis de Bolsonaro na live em que o presidente apenas desautorizou o vice, Hamilton Mourão, e enrolou, enrolou e não disse nada a respeito. Um vexame em cima de outro.
O ex-embaixador do Brasil em Washington Sérgio Amaral, que presenciou in loco, na visita da intrépida trupe à Casa Branca, precedida de um convescote com Olavo e companhia, o início dessa esculhambação da política externa brasileira chamou o que viu e o que foi praticado ao longo dos últimos três anos de “diplomacia das trevas”.
É aquela praticada no Bolsoverso, esse universo paralelo de trevas sobre o qual escrevi por ocasião da visita a Moscou, em que conceitos como direita e esquerda, democracia e autoritarismo são fluidos e sujeitos a revisionismos, fatos históricos são atropelados, e os interesses comerciais e a tradição diplomática do Brasil são subvertidos na bacia das almas da ideologia de redes sociais.
Enquanto se está na seara dos memes, o prejuízo é só ao bom senso. Quando a guerra eclode, porém, resta muito evidente a falta que faz ao Brasil ter um estadista que leve as instituições de Estado a sério, se cerque de pessoas responsáveis, comedidas e dotadas de senso de dever e noção de risco de certas bravatas.
Em nenhuma hipótese o Brasil seria um protagonista num conflito cujas causas e motivações remontam às circunstâncias do fim do Império Soviético.
Que tenha se tornado aquele personagem secundário que causa um ruído apenas para quebrar a tensão do roteiro, e que passa a ser malvisto pelos titulares da ação pela inconveniência extrema, era algo que poderíamos passar sem, diante de tantos problemas que já enfrentamos.
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