Ano eleitoral é sempre diferente, tendo características próprias. No entanto, 2022 não é apenas peculiar. É de fato um ano único. É a primeira vez, desde a redemocratização do País, que o ano eleitoral já começa sob o signo da ameaça e da contestação às eleições. O ineditismo da situação atual ficou especialmente visível na abertura do Ano Judiciário de 2022. Nas respectivas cerimônias do dia 1.º de fevereiro, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, e o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, reafirmaram a disposição de defender, sem concessões, a Constituição e o Estado Democrático de Direito.
O presidente do STF começou seu pronunciamento dizendo estar “imbuído de profundo senso de cautela”. A atitude é sintomática dos tempos atuais. O ano de 2022 exige estar em alerta. Não é medo, tampouco pessimismo: é apenas a reação natural – e responsável – perante as ameaças contra o sistema eleitoral proferidas pelo presidente Jair Bolsonaro e seus camisas pardas. Há sérios motivos para que, neste ano, sociedade e Judiciário estejam em alerta.
O ministro Luiz Fux assegurou que, em 2022, a pauta de julgamentos da Corte “continuará dedicada às agendas da estabilidade democrática e da preservação das instituições políticas do País”. Além de ser o primeiro tema mencionado entre os numerosíssimos assuntos que estão no Supremo, chama a atenção que, depois de três décadas da Constituição, seja necessário falar, como prioridade nacional, em “estabilidade democrática” e em “preservação das instituições políticas”. Há sintoma mais evidente de que os tempos atuais são realmente muito esquisitos?
O País deveria estar construindo soluções para melhorar as condições de vida e para avançar no desenvolvimento social e econômico da população. Mas não. Com seus ataques e ameaças às instituições, o bolsonarismo traz à tona a mais cabal agenda do retrocesso. Em pleno 2022, o STF é instado a cuidar da “estabilidade democrática”.
O retrocesso bolsonarista atinge também outras áreas. Não basta ao Supremo recordar os princípios básicos do Estado Democrático de Direito, que são evidentes e deveriam ser rigorosamente inegociáveis. A atual linha de batalha é ainda mais recuada. Em seu discurso, o ministro Luiz Fux defendeu o uso das “bússolas da razão e da ciência”. Eis o resultado da degradação intelectual e cívica provocada pelo bolsonarismo. Agora, o STF tem de homenagear e fazer valer os princípios da epistemologia e da lógica, uma vez que Jair Bolsonaro e seus seguidores cultivam a ignorância e praticam o negacionismo na vida pública.
Por sua vez, na cerimônia de abertura do Ano Judiciário no TSE, o ministro Luís Roberto Barroso defendeu a democracia, o sistema eletrônico de votação e o jornalismo. “No mundo da pós-verdade, dos fatos alternativos, nunca foi tão importante o trabalho da imprensa”, disse.
Ao mencionar as várias tentativas de desqualificar o processo eleitoral brasileiro, o presidente do TSE lembrou a absurda situação ocorrida no ano passado, quando o próprio presidente Bolsonaro divulgou em suas redes sociais informações sigilosas de uma investigação. Segundo Luís Roberto Barroso, eram “dados que auxiliam milícias digitais e hackers de todo o mundo que queiram invadir nossos equipamentos”.
A conclusão faz-se óbvia. O ano de 2022 exige alerta máximo. O atual inquilino do Palácio do Planalto não apenas deu repetidos sinais de desapreço pela democracia e pela lei, como já afirmou que, dependendo do resultado das eleições de outubro, poderá não aceitá-lo, tal como fez Donald Trump nos Estados Unidos. A ameaça de Jair Bolsonaro foi suficientemente clara.
Hoje, a rigor, não existe conflito entre Poderes, como se o STF também estivesse provocando tensões ou atritos. O que se tem é Jair Bolsonaro na Presidência da República, atuando como sempre atuou, desde os tempos de mau militar. É a recalcitrância nesse histórico, tão pouco exemplar, que suscita cuidado e vigilância, como bem entendeu o Judiciário. Felizmente.
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