Vivemos um angustiante momento como nação, como sociedade e como cidadãos. Instituições nacionais em risco. Sociedade à beira da convulsão. Cidadania ameaçada nos seus direitos. As angústias variam de intensidade conforme a natureza das agressões e dos danos já causados. As diversas situações já vividas nos levam a fazer projeções dos riscos de um porvir nada otimista.
O Brasil está sendo atingido em sua economia, em sua cultura, na educação, no meio ambiente, na saúde e em sua imagem externa. Todos esses valores estão à beira de um colapso em face da ação e da omissão predatórias de um governo que não visa à melhora, à recuperação, ao progresso, mas, ao contrário, contribui eficazmente para a estagnação, o retrocesso e o agravamento das situações.
A sociedade, por sua vez, amarga as suas carências, padece com a falta de políticas públicas para o atendimento de suas necessidades. E, ademais, parte dela está recebendo a influência danosa de um processo de desvalor ético reflexo de um discurso que instiga a violência e a intolerância.
O ódio ainda não se generalizou graças à resistência de setores importantes da sociedade, que bravamente resistem às investidas despóticas contra as instituições e contra a liberdade. A resistência se estende, também, aos ímpetos irracionais que objetivam aniquilar normas e princípios de conduta e de convivência social, que constituem a base de uma sociedade pacífica e harmoniosa. É a má educação, a falta de respeito pelo próximo, o desejo de submeter o pensamento e o querer alheios às próprias concepções, à própria verdade. Não ocorrendo essa submissão, passa-se a ter não um opositor, mas um inimigo.
Este quadro conflituoso e desarmônico, sem dúvida, foi constituído a partir dos maus exemplos diariamente fornecidos pelos ocupantes de cargos que os colocam em contato com a sociedade.
Assim, como disse, as relações interpessoais vêm sofrendo abalos provocados pela incapacidade de respeitar os contrários. A intranquilidade provocada se alastra assustadoramente. Discussões políticas se tornaram impossíveis, em razão do grau de irracionalidade e de insensatez que as cerca.
Não se argumenta, ofende-se, não se discute, esbraveja-se. Como exemplo de incompatibilidade gerada pela política, os tradicionais almoços de domingo estão se extinguindo, pois passaram a ser causa de divergências familiares e de rupturas. Os bares e restaurantes, redutos de sociabilidade, precisam ser frequentados por amigos de pensamento hegemônico, que até devem tomar cuidado com os vizinhos das mesas ao redor.
Este último aspecto, o das relações interindividuais, está alterando uma marca significativa do brasileiro: a tendência para a camaradagem, para o afeto, para a rápida constituição de amizades.
O respeito pelo próximo está cedendo à desconsideração irada. Basta alguma divergência para surgir a antipatia, que se transforma em verdadeira aversão.
As críticas que se opõem ao que se pensa não são críticas fundamentadas que possibilitariam contestação ou mesmo concordância. Não. Usam rótulos ofensivos, com base em trechos pinçados de um contexto que é mutilado. E, como ilustração das suas leviandades, utilizam-se de inverdades, invencionices, fruto de maldosa criação mental.
Quando os ataques não são anônimos, os detratores servem-se da internet e dos chamados robôs para, covardemente, atacar pelo prazer de fazê-lo. Nunca o fazem num confronto direto, por meio do diálogo ou da discussão civilizada.
Como velho advogado que sou, acostumado às polêmicas e aos embates, e até já alvo de críticas ácidas em situações de discordância e de contestação, causam-me espanto e até inquietação a atual falta de racionalidade, a insânia dessas atitudes e o desamor contido no clima instaurado no País, que é o da intolerância odienta.
Civilidade, harmonia, cordialidade, acatamento, delicadeza, cortesia e tantas outras manifestações de benquerença estão em vias de extinção.
Na verdade, cada vez mais parece que estamos nos afastando do dever de amar o próximo como a nós mesmos? Aliás, este comportamento incompreensível sugere-me dúvidas até sobre a capacidade dessas pessoas de amarem a si próprias. É possível que até mesmo a si essas pessoas não amem. O ódio pelos outros substitui o amor por si. Não dedicam tempo ao autoafeto, pois estão empenhadas em mal querer, em pregar a destruição da imagem alheia, em disseminar a desconfiança, a discórdia, a desunião. A vida dedicada ao cultivo do mal.
Aflige a falta de racionalidade, de objetivos saudáveis, positivos, de ações construtivas. Não se edifica, se destrói. Humanismo, solidariedade, complacência, compreensão, caridade, piedade, tolerância e paciência estão sendo substituídos pelo desamor e pelo ódio, que poderão transformar a sociedade brasileira numa congregação de impiedosos lobos que irão devorar uns aos outros.
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ADVOGADO
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