A federação partidária é a mais badalada alteração da legislação eleitoral que passará a vigorar em 2022. Pela nova regra, dois ou mais partidos federados são obrigados a funcionar como uma organização única por quatro anos. Isso significa que disputarão juntos as eleições deste ano e as municipais de 2024 e que terão uma bancada única no Congresso e nas Câmaras Municipais de todo o país.
Até onde eu saiba, a federação partidária é uma invenção brasileira. Em todas as democracias, as legendas se aliam para disputar uma eleição ou dar sustentação a um governo. Ocasionalmente, partidos próximos no espectro ideológico se fundem e viram uma nova organização. O Brasil inventou a fusão envergonhada: um casamento partidário com respaldo para acabar depois de quatro anos.
Não é fácil fazer uma federação. Os partidos brasileiros têm uma grande autonomia estadual e municipal. Em muitos casos, seus parceiros preferenciais (e adversários) nos estados e municípios não são os mesmos da política nacional.
Em que pese o grande destaque que a discussão em torno de formação de federações partidárias tem recebido, a mais importante mudança da legislação eleitoral que entrará em vigor em 2022 é o fim das coligações nas eleições para deputado federal e estadual.
Entre 1986 e 2018, as legendas puderam coligar-se nas eleições proporcionais sem a obrigatoriedade de que essas coligações fossem as mesmas em todo o país. Se um partido não estivesse coligado a outro na disputa para presidente, ele ficava livre para se aliar a qualquer um nos estados. E os partidos aproveitaram essa liberdade. Não me lembro do caso de duas legendas que tenham feito a mesma coligação em todos os estados para os cargos de deputado federal e estadual.
Sempre fui contra as coligações para cargos proporcionais. Elas distorciam a vontade do eleitor e produziam algumas aberrações na representação dos partidos. Mas nunca acreditei que um dia elas seriam extintas, já que a maioria das legendas se beneficiava de sua existência. Aliás, até hoje não compreendo as razões que levaram os congressistas não só a proibir as coligações, mas também a inscrever a proibição na Constituição.
A Câmara dos Deputados chegou a aprovar uma emenda constitucional que permitia a volta das coligações, mas o Senado não votou a matéria. Sem as coligações, a vida dos pequenos partidos ficará difícil em muitos estados (sobretudo os que têm uma bancada de até dez deputados na Câmara). Provavelmente, o número de legendas que conseguirão eleger representantes deverá ser reduzido drasticamente.
As federações partidárias foram criadas como mecanismo para os pequenos partidos “escaparem” das dificuldades trazidas pelo fim das coligações. Vale a pena lembrar o empenho do PCdoB pela aprovação do dispositivo. Os dirigentes perceberam que, sem a coligação, o partido perderia a representação em diversos estados e não conseguiria atingir a cláusula de 2%. Não é coincidência que o PCdoB tenha sido o primeiro a fazer uma federação com o PT.
O que mais surpreende é as grandes legendas negociarem para formar federações entre si. É o caso do PT e do PSB. Ambos são partidos bem estruturados, com ampla presença no território nacional e razoáveis diferenças ideológicas e conflitos em alguns estados. Sem contar que não teriam muito a ganhar com as alianças nas eleições proporcionais. Por que não preferem o velho modelo de aliança eleitoral para o Executivo?
Talvez esse seja um efeito não antecipado da nova regra. Criada para proteger os pequenos partidos dos efeitos das coligações, as federações podem acabar acelerando o inevitável enxugamento do sistema partidário brasileiro. Aguardemos até o dia 31 de maio, quando vence o prazo derradeiro para serem celebradas a tempo de valerem para a eleição.
*Pesquisador e professor da FGV/CPDOC
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