quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

UTI FISCAL

Editorial Folha de S.Paulo

Por sete anos consecutivos, a partir de 2014, o Estado brasileiro precisou de dinheiro emprestado para bancar o conjunto de suas despesas com pessoal, custeio administrativo, benefícios sociais e investimentos. Essa situação vexatória, conhecida no jargão econômico como déficit primário, não se repetiu no ano passado.

Conforme os dados divulgados pelo Banco Central, em 2021 as receitas federais, estaduais e municipais com tributos e outras fontes não financeiras de recursos superaram os gastos da máquina estatal em R$ 64,7 bilhões. O resultado propicia um alento nada desprezível —o que não significa que o país tenha deixado a UTI orçamentária.

De melhor, a dívida pública, indicador mais costumeiro da solidez fiscal, despencou de 88,6% para 80,3% do Produto Interno Bruto, o que reduz os temores de uma explosão decorrente do combate aos efeitos da pandemia.

Trata-se, porém, de percentual ainda elevado demais para um país emergente. Em 2014, quando a petista Dilma Rousseff encerrava seu primeiro mandato e inaugurava a era dos déficits primários, o endividamento governamental não passava de 56,3% do PIB.

Nada indica, ademais, que o superávit vai se repetir neste ano de eleições gerais e despesas adicionais —sejam meritórias, como o Auxílio Brasil, sejam descabidas, como a ampliação do fundo para o financiamento de campanhas.

Muito do resultado de 2021 foi obtido, como se sabe, com a contribuição da indesejada escalada inflacionária para o aumento da arrecadação tributária. Também o crescimento da economia, de acordo com as projeções mais consensuais, será muito menor em 2022.

O Estado brasileiro permanece longe da normalidade orçamentária —e o caso federal, por suas dimensões, é o mais grave. A reforma da Previdência e o represamento de reajustes salariais para os servidores contêm as maiores despesas, mas falta expansão mais consistente da atividade e da arrecadação para o reequilíbrio das contas.

Faltam, sobretudo, entendimento e liderança política para reformas que permitam aos governos de todos os níveis concentrarem-se no provimento de serviços essenciais e prioritários.

Fazê-lo sem respeito aos limites do Orçamento significa iludir eleitores e esfolar contribuintes, além de tornar a administração pública e o país mais vulneráveis aos humores voláteis do mercado credor.

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