sexta-feira, 23 de setembro de 2022

GUERRA BOLSONARISTA CONTRA AS PESQUISAS

Editorial O Estado de S.Paulo

Está em curso uma inédita campanha de desqualificação dos institutos de pesquisa que têm apontado as dificuldades do presidente Jair Bolsonaro na campanha pela reeleição. Se a esta altura a vitória do incumbente não está garantida, a culpa, segundo a turma governista, só pode ser dos mensageiros da derrota, não do descalabro moral, político e administrativo em que se converteu o governo do atual mandatário.

Estimular o descrédito de empresas e instituições que trabalham com fatos e dados da realidade é da essência do bolsonarismo. Essa recente onda de ataques contra os institutos de pesquisa e seus profissionais se insere nesse contexto. Cada uma a seu modo, essas entidades apresentam à sociedade informações que desafiam a “verdade” que emana do líder, incontestável por natureza.

Evidentemente, não há novidade em desacreditar institutos de pesquisa durante campanhas eleitorais, sobretudo por quem não lidera as intenções de voto, como é o caso de Bolsonaro. No Congresso, dormitam até alguns projetos de lei que visam a limitar a atuação desses institutos. O ineditismo desses tempos esquisitos reside no fato de que os ataques têm extrapolado o questionamento retórico dos resultados das pesquisas e atingido a integridade física dos próprios pesquisadores.

Recentes ataques contra pesquisadores do Datafolha em oito Estados resultam desse clima de hostilidade. Há poucos dias, vale lembrar, Bolsonaro afirmou que, caso receba “menos de 60% dos votos” no próximo dia 2, é porque “algo de anormal aconteceu no TSE”. Para o presidente, o que importa é o “datapovo”, isto é, a quantidade de pessoas que ele consegue mobilizar em seus comícios, como se isso bastasse para atestar sua liderança na disputa eleitoral. 

A fala de Bolsonaro não foi um mero arroubo de candidato. Tampouco deve ser entendida como um simples estímulo ao engajamento de seus apoiadores na reta final da campanha. Tratou-se, na verdade, do que se convencionou chamar de “apito de cachorro”: uma frase do líder que é entendida como comando por seus seguidores mais radicalizados. Bolsonaro já havia soprado esse “apito” quando atacou a jornalista Vera Magalhães durante um debate entre candidatos à Presidência, autorizando seus camisas pardas a fazerem o mesmo.

Para o presidente e seus acólitos, pouco importa se institutos sérios realizam pesquisas com base em metodologia conhecida e em total conformidade com a Lei Eleitoral. Se os dados não são aqueles que eles gostariam de ler, só podem estar errados ou manipulados.

Mas é justamente o rigor da metodologia dos institutos citados que faz de suas pesquisas de intenção de voto uma espécie de termômetro bem aferido do humor dos eleitores em um dado momento. Portanto, questionar a credibilidade dos institutos serve a um só propósito: desencorajar os eleitores de acreditar em informação confiável, ativo valioso para a tomada de decisões conscientes, e estimulá-los a crer no discurso bolsonarista sobre o alegado favoritismo do presidente.

A truculência em relação aos institutos de pesquisa não se limita a arruaceiros de rua. O ministro das Comunicações, Fábio Faria, por exemplo, foi às redes sociais para dizer que “a população vai cobrar o fechamento desse instituto”, numa referência ao Ipec, que havia acabado de divulgar uma pesquisa amplamente desfavorável a seu chefe. E o presidente da Câmara, Arthur Lira, também foi ao Twitter para dizer que “nada justifica resultados tão divergentes dos institutos de pesquisa”, o que, em sua visão, só poderia decorrer de “erro” ou “desserviço”. “Não podemos permitir que haja manipulação de resultados em pesquisas eleitorais”, bravateou Lira, sugerindo, sem um fiapo de prova, que haveria uma conspiração dos institutos contra os bolsonaristas.

Mas os valentes aliados de Bolsonaro podem ficar tranquilos, porque pesquisas são apenas retratos do momento, e não antecipação de resultado. Ou seja, ainda dá para virar o jogo – mas, para isso, é preciso trabalhar, e não gastar energia inventando teorias fabulosas para justificar uma eventual derrota.

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