Populistas com propensão ao autoritarismo, como é o caso do presidente Jair Bolsonaro, quando não deram causa, agravaram a chamada crise da democracia liberal. O tema é bastante estudado nas universidades e tem sido objeto de dezenas de livros lançados nos últimos anos, mas está longe de ser apenas um desassossego intelectual. A crise da democracia se manifesta de forma concreta no cotidiano das pessoas. E, não raras vezes, por uma de suas faces mais perversas: o medo da violência causada por escolhas políticas.
A poucos dias das eleições gerais, a pesquisa Violência e democracia: panorama brasileiro pré-eleições de 2022, realizada pelo Datafolha a pedido do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e da Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (Raps), revelou que quase 70% da população brasileira afirma sentir medo diante da escalada da violência política. Pudera: há poucas semanas, o País assistiu, com um misto de consternação e incredulidade, aos brutais assassinatos de dois eleitores do petista Lula da Silva por apoiadores de Jair Bolsonaro.
Esses foram os dois episódios mais trágicos, até agora, dessa onda de violência política que assola o País em escala inaudita. Decerto não são os únicos. Na verdade, há tantas manifestações de hostilidade a pensamentos políticos divergentes que muitos cidadãos já se sentem afetados pelo problema.
De acordo com a pesquisa, quase metade dos brasileiros (49,9%) diz sentir “muito medo” de ser vítima de agressões físicas por suas afiliações político-partidárias. Outros 17,6% dizem sentir “um pouco de medo”. Apenas 32,5% não temem ser alvo de violência política.
“É difícil falar em eleições livres e justas com este nível de violência. As eleições estão ameaçadas não pelas razões que (o presidente Jair) Bolsonaro suspeita, as urnas eletrônicas, mas pela violência política”, disse ao Estadão o presidente do Fórum, Renato Sérgio de Lima. “Temos uma população amedrontada”, resumiu a cientista política Mônica Sodré, diretora executiva da Raps.
Ainda de acordo com o levantamento, 3,2% dos entrevistados disseram ter sido vítimas de ameaças por suas posições políticas; e 0,8% relatou já ter sofrido violência física. À primeira vista, a frieza da estatística pode não dar a exata dimensão da extrema gravidade do problema. Mas está-se falando de cerca de 8,5 milhões de brasileiros que já sofreram algum tipo de violência ou ameaça apenas por terem exercido o direito à livre manifestação do pensamento assegurado pela Constituição. Isso é inaceitável para todos os genuínos democratas, de qualquer coloração partidária.
Não há liberdade quando a manifestação do pensamento político-ideológico é tolhida pela força do medo. E, quando os cidadãos não se sentem livres para manifestar suas escolhas políticas, já não se pode falar de democracia, mas de um simulacro de democracia.
O presidente Bolsonaro é a personificação de uma política de confronto que desagrada a grande parcela da população. Não surpreende a enorme rejeição a seu nome. Talvez inebriado pelos quase 58 milhões de votos que recebeu em 2018, Bolsonaro tenha entendido essa expressiva votação como uma autorização para que ele levasse adiante sua agenda de destruição. Na verdade, Bolsonaro não foi capaz de compreender – talvez não seja até hoje – a excepcionalidade da conjunção de fatores que, há quatro anos, alçou alguém com seu perfil à Presidência da República.
Bolsonaro não inventou a violência política, obviamente. Mas é certo que fez da violência e do conflito permanente a essência de sua persona política. Isso é inédito na história recente do País, um presidente que faz do estímulo à violência política, em suas muitas formas de manifestação, uma ação de governo. Foi sob Bolsonaro que a violência política se tornou pauta no debate público e objeto de pesquisa.
Mas, a julgar pelas pesquisas de intenção de voto, milhões de eleitores parecem fartos de viver sob essa tensão permanente. E dão sinais de que dirão isso exercendo a maior das liberdades democráticas: o voto.
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