segunda-feira, 31 de outubro de 2022

EM QUE BRASIL IREMOS VIVER ?

Carlos José Marques, ISTOÉ

Talvez sobreviveremos. Ao ódio, aos preconceitos, às mazelas e atos insensíveis de um mandatário que despreza vidas, que debocha do sofrimento dos pobres, negros, mulheres, LGBTQIA+, dos indígenas, de quase todos.

Talvez sobreviveremos à tentação autoritária que está no ar por obra e graça de alguém disposto ao mais abominável comportamento ditatorial tentando se garantir no poder. Ele quer o controle absoluto — do Congresso, do Planalto, do Judiciário, da Polícia, do que tiver pela frente. E vai atrás.

Talvez sobreviveremos aos esquemões do Orçamento Secreto, que corrói o dinheiro público, com a finalidade aberta de comprar base de apoio para o capitão. Talvez sobreviveremos ao desmonte e aos bilionários desvios do MEC, que deixou universidades e escolas públicas à míngua, quase falidas (algumas fechando) sem sequer material didático para lecionar.

Talvez sobreviveremos à destruição de estruturas vitais como a do Inpe, que controlava e denunciava os avanços ilegais sobre as nossas florestas, a do Coaf, que nos dava o controle financeiro de movimentações dos ladravazes do Estado, a da Codevasf, que virou balcão de liberação de propina a laranjas, e a tantas outras destruições de autarquias que serviam a bons propósitos públicos.

Talvez sobreviveremos às prevaricações do capitão, que fez ouvidos moucos a denúncias de superfaturamento de vacina no seu governo e deixou passar por opção também essa pilantragem. Talvez sobreviveremos às pilhérias de um presidente que imita pessoas com falta de ar à beira da morte, que tripudia sobre uma pandemia que matou 700 mil brasileiros, que dá de ombros e, irritado, responde com um insolente “e daí?” quando lembram-no que era seu papel buscar caminhos e soluções para abrandar a escalada de perdas.

Talvez sobreviveremos a um chefe de governo beirando a psicopatia, que deixou de consolar familiares destroçados pela falta dos entes queridos; que não teve um gesto de comiseração e palavras de apoio nesse momento de sofrimento insuportável, que não se solidarizou, nem visitou doentes, como cabe a um mandatário minimamente ciente da função que exerce.

Talvez sobreviveremos às motociatas fascistas, aos shows de jet ski e de barcos que, rotineiramente, esbofeteavam a cara dos brasileiros com a desigualdade latente por aqui e que mostravam, com clareza, de qual lado o “mito” Messias fazia questão de estar, sem se preocupar com as queixas e usando a alegação irônica de que qualquer um poderia ter a sua motoca de água depois que ele baixou os impostos — brinquedinho, por sinal, que custa, em média, R$ 60 mil. Talvez sobreviveremos às mentiras, aos ataques sorrateiros e sistemáticos a opositores, às perseguições contra demais autoridades do sistema. Talvez sobreviveremos ao descaso com a Cultura, a Ciência e Tecnologia, alvos preferidos das tungadas do capitão que escolhe desviar os recursos e esforços para a trapaça secreta das emendas do relator, em busca da compra de parlamentares — na consagração de um Bolsolão, que sangrou os cofres brasileiros em bilhões, como nunca antes na história.

Talvez sobreviveremos aos ataques à nossa democracia, que corre risco, sim, e pode ser arrancada de nós em um piscar de olhos por meio de decretos, PECs e arranjos de alguém que sentou no Palácio com o intuito declarado de reinar sem freios — admitindo em tempos pretéritos, sem meias palavras, tal ambição: “quando eu for ditador”. Ele está perto de conseguir e, por incrível que pareça, com o voto nas urnas, aquelas alvejadas por seus questionamentos de sempre e que, eventualmente, em um futuro tenebroso, poderão não voltar a ser usadas, porque ele tende a proibi-las.

Talvez sobreviveremos aos arroubos imorais de quem encara jovens venezuelanas como garotas de programa, que, no seu entender, se arrumam para “ganhar a vida” e com quem diz ter “pintado um clima” em encontro recente — um senhor de mais de 60 denotando comentários com traços pedófilos para crianças de 14 anos. Talvez sobreviveremos aos golden shower da vida.

Talvez sobreviveremos à condição de pária do mundo, à qual foi relegado o Brasil, visto como país comandado por um insano.

Talvez sobreviveremos a um chefe que pretende armar todo mundo e age com esse objetivo numa liberalização sem precedentes; que cultiva amizades com milicianos e até os homenageia, incitando a violência e que fecha os olhos e até passa pano em episódios brutais como o do assassinato de pessoas inocentes em festas de aniversário, por mera rixa política ou em camburões da polícia, transformados em câmara de gás.

Talvez sobreviveremos aos cem anos de sigilo sobre investigações contra atitudes inescrupulosas e outras inexplicáveis desse presidente, que escamoteia deliberadamente seus malfeitos. Talvez sobreviveremos à gastança sigilosa e milionária dos cartões corporativos, dele e dos chegados. Uma coisa está no ar e é preciso ser dita para vingar no consciente coletivo: TALVEZ NÃO SOBREVIVEREMOS SE TIVERMOS MAIS QUATRO ANOS COM UM PERSONAGEM ASSIM NO PODER.

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QUAL O FUTURO DO BOLSONARISMO APÓS DERROTA NA ELEIÇÃO ?

Thais Carrança, BBC News Brasil em São Paulo

Jair Bolsonaro (PL) saiu derrotado em sua tentativa de reeleição. Mas os mais de 58 milhões de votos recebidos pelo capitão reformado, 15 governadores aliados a ele vitoriosos e mais de uma centena de parlamentares eleitos pelo PL para Câmara e Senado mostram que o bolsonarismo deverá seguir vivo nos próximos anos como uma das principais forças políticas do país.

O que esperar daqui para a frente? Como será a atuação da bancada bolsonarista no Congresso sob o novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT)? A direita terá capacidade de se manter coesa uma vez fora do Executivo? Conseguirá manter eventuais mobilizações nas ruas?

E Bolsonaro: permanecerá como principal líder do campo da direita, com aliados como Sergio Moro, Tarcísio de Freitas e Romeu Zema já sendo percebidos como possíveis sucessores do atual presidente e potenciais candidatos em 2026?

A BBC News Brasil ouviu o cientista político João Feres Júnior (UERJ) e a antropóloga Isabela Kalil (Fesp), estudiosos do bolsonarismo. E o deputado reeleito Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP) e o cientista político Antônio Flávio Testa, apoiadores de Bolsonaro e pensadores da direita, para entender os rumos desse campo político nos próximos anos.

Os valores do bolsonarismo

"O bolsonarismo é algo complexo, não é simplesmente um discurso em torno de valores conservadores", observa João Feres Júnior, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e coordenador da pesquisa qualitativa Bolsonarismo no Brasil, que ouviu 24 grupos focais com eleitores de Bolsonaro em seis Estados brasileiros em 2021.

O que é ser bolsonarista?

O que é ser conservador?

"Esse núcleo é um deles — o dos valores da família, que congrega evangélicos e católicos conservadores. Mas há também o discurso da segurança e das armas, que congrega muita gente que tem admiração pelo militarismo. E tem o núcleo do discurso anticorrupção, mais ligado a um antipetismo radicalizado", afirma o pesquisador.

Para além dos discursos que compõem o bolsonarismo, uma outra característica marcante deste campo político é sua estrutura de comunicação, avalia o cientista político.

"São redes sociais, canais de TV aberta e a cabo — Rede TV, Record, SBT, Jovem Pan — e um terceiro pilar são as igrejas evangélicas e movimentos conservadores da Igreja Católica, que servem como correia de comunicação para as mensagens bolsonaristas", enumera.

"Então existe uma esfera comunicacional mais ou menos autônoma que Bolsonaro construiu em torno de si e que permite com que ele tenha resistido tanto tempo com uma popularidade tão alta."

Luiz Philippe de Orleans e Bragança, herdeiro da família imperial brasileira e deputado federal por São Paulo reeleito com 79 mil votos, acrescenta a essa lista de valores da direita: a soberania nacional, o liberalismo econômico — com foco no estímulo à livre iniciativa e na diminuição do Estado — e uma defesa da liberdade da expressão que vê a atuação do Supremo Tribunal Eleitoral (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) como "tirânica".

Já Isabela Kalil, professora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fesp) e coordenadora do Observatório da Extrema Direita, cita a presença dos militares na política e o apoio do agronegócio como outras características importantes do bolsonarismo, mas defende que o traço mais marcante desse campo político é seu viés antidemocrático.

"O bolsonarismo representa um novo paradigma de política", defende a antropóloga.

"De 1988 para cá, tínhamos um processo de ampliação do espaço democrático, um acúmulo de direitos, ainda que com desafios. O que temos agora é um novo paradigma em que, pela primeira vez, um político faz apologia à tortura, à ditadura militar e se coloca de maneira contrária às conquistas democráticas das últimas décadas. Então o bolsonarismo tem muitas faces, mas a principal é essa mudança de paradigma."

As eleições de 2022 e a força da direita

Diante da expectativa de parte da esquerda de que Lula pudesse ser eleito já no primeiro turno, o país se deparou no 2 de outubro com uma realidade muito diferente: Bolsonaro com uma eleição bastante superior ao que sugeriam as pesquisas eleitorais e um forte resultado de candidatos apoiados por ele entre governadores, deputados e senadores.

"Essa eleição revelou que é preciso pensar o bolsonarismo como um fenômeno que transcende a figura de Jair Bolsonaro", diz Kalil.

'Votação mostra que reação conservadora não está se esgotando como se pensava', diz professor de Harvard

Ela cita como exemplo o número recorde de eleitos para o Congresso Nacional e assembleias com passagem pelas Forças Armadas e pelas polícias, grupo conhecido como "bancada da bala" — serão 103 representantes na próxima legislatura, entre deputados estaduais, federais e senadores, segundo levantamento do Instituto Sou da Paz divulgado em 25 de outubro.

No Senado, ela chama a atenção para os ex-ministros de Bolsonaro que ganharam espaço — foram cinco: Damares Alves (Republicanos-DF), Tereza Cristina (PP-MS), Rogério Marinho (PL-RN), Marcos Pontes (PL-SP) e Sergio Moro (UB-PR) —, o que pode ser relevante no processo de indicação de futuros nomes para a Suprema Corte.

"O perfil da população brasileira é de fato conservador", avalia Antônio Flávio Testa, doutor pela UnB (Universidade Brasília)* e parte de um grupo de cientistas políticos que participaram da formulação da estratégia bolsonarista desde a eleição de 2018.

"Sempre foi assim, mas, durante 25 anos, houve um predomínio dos partidos de esquerda: o PT e o PSDB. Havia um constrangimento na população de colocar suas ideias, mas com a ascensão do mundo evangélico na política e de alguns partidos que ocuparam esse espaço, a partir de agora há uma configuração mais delineada de perfis políticos conservadores", diz Testa.

Na última década, o PSDB era visto no debate político brasileiro como um partido de centro-direita, mas o bolsonarismo costuma classificar o partido social-democrata de FHC e Covas como de "esquerda".

Coesão no Congresso é improvável

Diante da força revelada nas urnas e da capilaridade do bolsonarismo na sociedade, através de sua rede de comunicação própria e do apoio das igrejas, a dúvida agora é se essa coesão se mantém sem Bolsonaro à frente do Executivo federal.

Com relação ao Congresso, a avaliação é praticamente unânime: o bloco conservador tende a perder força sob Lula, com políticos do Centrão hoje alinhados a Bolsonaro migrando para a base do petista, por terem uma atuação mais fisiológica (isto é, baseada em interesses pessoais) do que ideológica.

O bloco formado por PL, PP e Republicanos, os três partidos do Centrão mais ligados a Bolsonaro, elegeu 187 deputados para a legislatura que tem início em 2023.

A título de comparação, o bloco de partidos de esquerda (PT, PCdoB, PV, PDT, PSB e Psol) elegeu 125 deputados. Para aprovar uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição), por exemplo, são necessários três quintos dos votos dos deputados (308).

"Num governo Lula, a lógica fica muito diferente, porque o Centrão opera sempre na base do fisiologismo. Então duvido que o PL continue com unidade sob Lula eleito. O PL vai rachar no meio", acredita João Feres Júnior, coordenador do Observatório do Legislativo Brasileiro da Uerj.

"Lula está careca de saber que só se pode governar com maioria parlamentar e, se os hoje bolsonaristas forem brincar de fazer oposição, vão fazer isso do lado da política parlamentar que ganha menos recursos, que não ganho cargos, e o pessoal do Centrão é tradicionalmente atraído por esse tipo de coisa. Então duvido que se forme um superbloco contra o Lula."

Parlamentar do PL, Orleans e Bragança também avalia que será difícil manter a unidade do partido que deu abrigo a Bolsonaro para as eleições de 2022, após o presidente deixar o PSL que o elegeu em 2018 e fracassar na tentativa de fundar seu próprio partido, o Aliança pelo Brasil.

"Não acho que [o PL] vai ter tanta unidade assim, vai perder alguns, não tenho a mínima dúvida. Só que não acho que vão ser muitos, acho que é uma parcela menor de perda, alguns que vieram da base da esquerda e que estavam na base da esquerda por conveniência também. Eles são fisiológicos, não são ideológicos", avalia o deputado reeleito.

"Certamente que uma parte da direita é corrupta e vai se corromper e fazer alianças com o governo do Lula. Não tenha dúvida. Alguns líderes de partidos que fazem parte da coligação que tentou reeleger Bolsonaro têm tradição de acompanhar o poder. Por isso, precisamos de uma direita ideológica. Isso faria bem até para a esquerda, pois o debate é produtivo", acrescenta Orleans e Bragança.

Já Flávio Testa, cientista político próximo ao bolsonarismo, reconhece que Lula é habilidoso em trazer parlamentares para o seu lado através da oferta de cargos, mas avalia que esse é um processo que leva tempo, devendo se consolidar mais para o fim do próximo ano.

"Nesse espaço de tempo, é muito possível que Lula sofra uma reação muito grande e haja até mesmo o encaminhamento de pedidos de impeachment", diz o cientista político, lembrando que a Lava Jato conseguiu eleger nomes importantes como Moro e Deltan Dallagnol (Podemos-PR).

Testa pondera, porém, que Lula deverá ter um STF mais favorável a ele do que teve Bolsonaro.

Na sociedade, mobilização é incerta

Se no Congresso a expectativa é de que parte da força bolsonarista se dissipe em meio ao fisiologismo, na sociedade em geral, a potência da mobilização da direita mais radical agora de volta à oposição ainda é incerta.

"O Brasil tem uma capacidade instantânea de se mobilizar, mas tem uma doença política terrível que é a dificuldade de se manter mobilizado. Vimos isso naquela crise dos 20 centavos lá em 2013, 2014. Logo em seguida veio a Copa do Mundo e o país se desmobilizou", diz Testa.

"Então, vai ter que ter algum catalisador para fazer com que haja uma mobilização a favor ou contra o governo", acrescenta. "Talvez a variável das redes sociais possa ajudar bastante, mas não podemos fazer uma previsão objetiva sobre isso ainda. Não sabemos."

Para Luiz Philippe de Orleans e Bragança, o fato de o PL não ter poder sobre a mobilização das ruas é uma força, e não uma fraqueza do campo da direita.

"O PL não tem mobilização. Não é que nem o PT, que tem grupos vinculados ao PT, PCdoB e Psol que têm mobilização nas universidades, sindicatos vinculados, aquela coisa. O PL não tem nada e os parlamentares também não têm essa relação com movimentos organizados", diz.

"Mas é isso que é o grande poder e é isso que a esquerda não está entendendo: que é espontâneo. Isso vai ser mantido exatamente porque o partido não está no comando, é um fluxo totalmente descentralizado, não coordenado e que não se controla."

Já Isabela Kalil, da Fesp e do Observatório da Extrema Direita, avalia que é difícil prever a capacidade mobilização da direita e que ela vai depender de fatores como a própria atuação de Bolsonaro. Se ele conseguirá, por exemplo, manter sua base aquecida se optar por insistir em acusações de fraude sobre os resultados das eleições, a exemplo de Donald Trump nos Estados Unidos.

Quanto ao apoio evangélico, a antropóloga avalia que parte dele também pode deixar o âmbito do bolsonarismo após a derrota eleitoral do presidente.

"Parte dessa base conservadora e evangélica já esteve na base do PT. Então não há nada que indique que determinadas lideranças conservadoras vão de fato se colocar frontalmente como oposição ao governo de esquerda", diz Kalil.

Ela observa que essa base se organiza em torno de temas específicos como a descriminalização do aborto, direitos da comunidade LGBTQIA+, a pauta da família e questões relacionadas ao campo da educação, que poderiam ser apaziguadas num governo Lula mais conservador.

A professora avalia que grupos como os armamentistas, militaristas e contrários às instituições devem permanecer fiéis a Bolsonaro. Mas ela observa que outros grupos que foram importantes no ciclo de mobilização da direita entre 2013 e 2016 perderam protagonismo, como os movimento de renovação política e da pauta anticorrupção.

Disputa pela liderança à direita

Com Bolsonaro fora da Presidência, a disputa pela liderança no campo da direita será inevitável, avaliam tanto Feres e Kalil, como Orleans e Bragança e Testa.

Mas dentro desta aparente concordância há visões distintas.

O pesquisador da Uerj, por exemplo, vê dificuldade para outro líder conseguir agregar os diferentes grupos da direita como conseguiu Bolsonaro.

Já o deputado do PL e o cientista político conservador veem o governo Bolsonaro como um governo "de transição" rumo ao predomínio da direita no país e avaliam que a liderança do campo poderá ser ocupada à frente por políticos em ascensão como o governandors eleitos em SP, Tarcísio de Freitas, e em MG, Romeu Zema.

"O Bolsonaro mostrou que há a possibilidade de fazer uma síntese, por mais que seja uma síntese altamente tóxica para a democracia brasileira. Só que isso funciona para ele muito bem porque, apesar dos seus múltiplos defeitos, ele é um cara carismático. Ele consegue se comunicar com o público dele de uma forma muito direta", diz João Feres Júnior.

"Então, você precisaria de uma pessoa que não só tivesse esse tipo de estratégia política na cabeça, mas tivesse também o carisma que ele tem, o que não é fácil."

O cientista político avalia que Sergio Moro é um exemplo de político da direita com pretensões presidenciais que pode ter essa dificuldade de reproduzir a estratégia bem sucedida de Bolsonaro.

Para Feres, apesar de o presidente em fim de mandato ter idade para concorrer à eleição novamente em 2026, ele se elegeu em 2018 em circunstâncias muito específicas, no auge da Lava Jato e da "antipolítica". Além disso, ele avalia que o presidente e seus filhos saem do governo um pouco "queimados" pelos diversos casos de possíveis crimes envolvendo a família revelados ao longo do governo e que poderão ainda ser investigados.

'Governo de transição'

"Temos uma evolução e o presidente [Jair Bolsonaro] reflete ainda a transição de um modelo social-democrata, para um modelo democrata cristão liberal", defende Orleans e Bragança.

"Se a vontade da direita é a vontade que será predominante em termos de estilo de representante, a sociedade ainda não está 100% lá em vários quesitos. No quesito econômico a sociedade não está vinculada a uma proposta 100% liberal. Eu sinto isso porque sou muito mais liberal do que a postura do governo", diz o deputado, que vê criticamente a expansão do Auxílio Brasil sob Bolsonaro, por acreditar que a direita deve reduzir a dependência do Estado e estimular a livre iniciativa, e que a assistência social deveria ser restrita aos "incapazes".

Para o parlamentar, há uma parcela do eleitorado que se sente melhor representada pela direita, mas que não está votando à direita devido ao perfil "antagônico" de Bolsonaro. Atualmente, ele não vê alguém eleitoralmente viável para ocupar esse espaço, mas avalia que isso poderá ser construído a partir de 2023.

"Talvez o Jair esteja construindo o Tarcísio para isso", avalia. "Mas eu nunca vi direita que é todo mundo funcionário público, essa é minha crítica. São todos ex-políticos, ex-militares, ex-policiais, ex-burocratas. Isso é a direita? Pera aí! Que direita é essa?", questiona.

O deputado, no entanto, vê dificuldade para alguém "de fora do sistema", sem conhecimento da máquina pública ocupar essa liderança. "Tem que ser alguém que conheça o sistema. Só com a opinião pública, sem o controle da burocracia, não consigo ver possibilidade de vitória."

'Quem tem dificuldade para formar lideranças é a esquerda'

Flávio Testa também usa a expressão "transição" para falar do governo Bolsonaro.

"Depois do Bolsonaro vão surgir novos líderes, é natural isso. Quem tem dificuldade de formar lideranças é o PT e o Lula. Tem 50 anos que o Lula influencia a política brasileira e ele não deixa surgir nenhum sucessor", diz o cientista político.

"A direita não tem essa dificuldade, então haverá novos líderes. Depende de ter um projeto que tenha credibilidade", defende.

Ele cita Tarcísio de Freitas como exemplo. "Se fizer uma boa gestão em São Paulo, e é muito provável que ele vá fazer, porque ele é um grande tocador de obras, um grande executivo, ele pode se cacifar para ser um sucessor de Bolsonaro", avalia.

"E outro é o Zema, que fez uma coisa impressionante lá em Minas Gerais, recuperou o segundo Estado mais rico do Brasil após gestões desastrosas do PSDB e do PT. Então ele tem um potencial muito grande. Ele é uma figura que não é um radical de direita, é um empresário, um empreendedor, um gestor. Então esse tipo de personagem pode sim comandar uma grande transformação desse país. E outros podem ainda aparecer por aí", acrescenta Testa.

Questionado sobre a dificuldade que governadores do Sudeste enfrentaram desde a redemocratização ao ambicionar a Presidência — a exemplo dos tucanos José Serra, Geraldo Alckmin, João Doria e Aécio Neves —, Testa concorda que o histórico não é favorável.

"Mas o Brasil tem uma desigualdade regional imensa, então não há lideranças [nacionais] no Norte e Nordeste, tem algumas que aparecem no Sul e no Centro-Oeste. Então onde pode surgir alguma liderança com essa capacidade são nesses três grandes centros [Sudeste, Sul e Centro-Oeste]", opina o cientista política ligado ao campo da direita. "Mas em quatro anos muita coisa pode acontecer, muita coisa pode mudar."

Antibolsonarismo como força política

Embora o bolsonarismo deva seguir vivo no espectro político, a reação a ele também promete se tornar um elemento persistente da política brasileira, como aconteceu com o PT e o antipetismo.

Pesquisa Atlas divulgada em 24 de outubro, na semana anterior ao segundo turno, mostrava que, naquele momento, 27% dos brasileiros se diziam bolsonaristas, acima dos 21% que se declaravam petistas. Mas 45% se definiam como antibolsonaristas, acima dos 30% que se diziam antipetistas.

Para Isabela Kalil, no entanto, será preciso mais do que apenas o sentimento antibolsonarista da sociedade civil para pôr freio ao avanço da direita antidemocrática.

"Esse freio vai ter que passar por uma reconstrução da democracia e isso não tem só a ver com a sociedade civil. Uma das coisas que serão fundamentais é o Brasil como sociedade rever a questão da atuação dos militares na política", defende a professora da Fesp, citando que isso já foi feito em outros países da América Latina que passaram por ditaduras militares.

"Outro elemento que eu destacaria é a questão das armas, que precisará ser repensada num processo longo. Mas o ponto é que apenas a sociedade civil não consegue colocar freios ao bolsonarismo, pois o bolsonarismo é um conjunto de avanços em termos institucionais e da sociedade civil. Então é preciso que as duas coisas sejam combinadas."

*Uma versão anterior desta reportagem informava que o cientista político Antônio Flávio Testa era professor da UnB. Ele não faz parte dos quadros da instituição. O texto foi corrigido.

- Texto originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63439014

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O ADEUS DE UM HOMEM MINÚSCULO

Renato Essenfelder, O Estado de S.Paulo

Já era hora de dar um basta, de lembrarmos que o homem pequeno é pequeno demais para um país tão grande

O homem minúsculo, o homúnculo, apagou as luzes do palácio e foi dormir. Depois de tanto bradar, gritar e babar, depois de ameaçar e conspirar à luz do dia, incessantemente, calou-se. Recolheu-se à insignificância que o espera. Amém.

Como os livros de história no futuro irão se referir a esse homem tão pequeno? Terá alguma importância, o seu nome, ou irão se interessar apenas pelo surto coletivo que se apossou de milhões de brasileiros, por meia década ao menos, e que resultou na eleição de um ninguém, um nada, um palhaço macabro? Um fantasma descarnado, insepulto e obcecado pela morte, sua especialidade, no qual milhões projetaram suas próprias fantasias autoritárias. Como? Por quê?

Quantos afinal projetaram naquele corpo sem vida, naquela vida sem alma, a virilidade perdida, as certezas corroídas, o desejo e a inveja da criança egoísta que brinca de motinho enquanto o mundo acaba em fome e doença. As pessoas morrem, ele debocha: e daí? Nada interrompe seu gozo sem fim.

Os livros de história no futuro talvez falem de um homem minúsculo que emergiu dos porões sujos do Congresso Nacional, já em avançado estado de decomposição moral e física, para canalizar todo o ressentimento de uma nação. Esse vórtice de maldade, cercado por gente ainda menor, ainda mais ridícula e ignorante orbitando ao redor de sua sombra.

Homens minúsculos, a história demonstra, podem projetar sombras imensas. Mas passam, os homens e suas sombras.

Ele tentou, com todas as minúsculas forças, tentou eternizar sua sombra horrível. Mas decrépito, fraco, bronco e insignificante, não conseguiu manter-se no poder. Porque destruir é uma coisa, mas construir é outra, muito mais difícil, muito mais complexa. O homem pequeno veio e apequenou o país inteiro, apequenou o Estado e as suas instituições, apequenou o povo, os amigos, as famílias. Destruiu, passou bois e boiadas, sufocou, boicotou, conspirou, enquanto ocupavamo-nos de sobreviver.

Mas então, enfim consciente da sua pequenez, emudeceu no canto do palácio vazio, vítima da própria insignificância.

Depois de destruir e destruir e destruir, descobriu-se incapaz, impotente, brocha. Um fantasma de brochidão e fraqueza, incapaz de fecundar o que quer que seja – planos, corpos, natureza. Homens pequenos não constroem coisa alguma.  

Já era hora de dar um basta, já era hora de lembrarmos a nós mesmos que o homem pequeno é pequeno demais para um país tão grande.

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DIA DIFÍCIL PARA A FAMÍLIA BOLSONARO

Da ISTOÉ

Justiça de SP decide que Twitter não foi autoritário ao punir Eduardo Bolsonaro

O juiz Sérgio da Costa Leite, que atua na 33ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo, decidiu que o Twitter não cometeu abuso ao punir o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) depois que ele realizou publicações enganosas sobre a vacina contra a Covid-19.

Em janeiro de 2022, o parlamentar usou o seu perfil no Twitter para afirmar que João Doria, o então governador de São Paulo, estava obrigando os agentes públicos a injetarem “algo experimental em seus corpos”.

Na sequência, a plataforma tarjou a publicação como conteúdo enganoso e limitou temporariamente algumas funções do perfil de Eduardo.

Por conta disso, o filho do presidente Jair Bolsonaro (PL) entrou com uma ação contra o Twitter na qual afirmou que não publicou conteúdo enganoso e a plataforma cometeu um “ilícito contratual” ao puni-lo e agir de maneira “autoritária”.

A advogada Karina Kufa, que representa Eduardo Bolsonaro, alegou na ação que a “indevida classificação de uma de suas publicações como ‘enganosa’ certamente afetou a sua credibilidade e reputação pública, além da sua honra pessoal”. Por conta disso, o filho do presidente solicitou uma indenização de R$ 5 mil por danos morais.

Na sua defesa, o Twitter afirmou que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) havia divulgado um comunicado em que afirmava que as vacinas utilizadas no território nacional não eram experimentais e os seus dados de eficácia e segurança tinham sido analisados e aprovados.

Com base nisso, a plataforma afirmou no processo que a publicação de Eduardo Bolsonaro trazia uma informação enganosa sobre as vacinas contra a Covid-19.

O juiz Sérgio da Costa Leite informou em sua sentença que o Twitter agiu de maneira correta ao aplicar as sanções contra o parlamentar.

O deputado federal Eduardo Bolsonaro também foi condenado a pagar R$ 2.500 em honorários advocatícios do Twitter. Ele ainda pode recorrer da decisão.

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VIVA A DEMOCRACIA !

Leiliane Rebouças, OS DIVERGENTES

Eu sei que não vai ser fácil governar um país dividido, com um parlamento retrógrado e o Centrão fisiológico. Mas, tenho esperanças de dias melhores. Com Bolsonaro o Brasil desceu ao mais baixo nível da barbárie, da incivilidade e do ódio. Mais do que isso não dá pra piorar, só se ele fosse reeleito.

Como cristã, eu ficava extremamente incomodada não apenas com as mentiras e fake news propagadas pelo gabinete do ódio, mas, principalmente, com o uso do nome de Deus em vão para fins políticos. E ainda, pelo fanatismo e idolatria a esse presidente nefasto. Responsável por milhares de mortes na pandemia, ao promover um remédio sem eficácia e demorar a comprar as vacinas.

Na minha fé, creio que Deus não divide a glória dele com ninguém. Entretanto, as “pessoas de bem” estavam transformando os altares de adoração ao Senhor em palanque político de adoração ao Bolsonaro. Fazendo sinal de armas dentro das igrejas sem qualquer constrangimento,  esquecendo que Jesus é o Príncipe da Paz.

Em qualquer país sério uma pessoa nunca seria morta asfixiada dentro de um camburão por policiais que deveriam garantir a sua segurança. Em um país sério, um homem preto com sua família não seria fuzilado com dezenas de tiros por parecer “suspeito”. Uma parte dos brasileiros não se indignou nem um pouco pela gravidade dessas barbáries.  Essas pessoas não se indignaram com os apoiadores de seu “mito” atirando em policiais federais e/ou empunhando arma no meio da rua, colocando em risco a vida dos transeuntes para atirar em um homem preto desarmado.

Com Bolsonaro, vimos a naturalização da incivilidade, do racismo, da misoginia, e do ódio ao “diferente”, ódio às minorias.

Agora teremos um governo mais humanista, que procurará valorizar a cultura, a ciência, respeitar os direitos humanos, investir na educação, nas pesquisas tecnológicas. Que terá como prioridade o combate a fome, por reconhecer a existência de pessoas nessa situação. Um presidente que acha indigno, um país rico como o nosso, ter brasileiros tomando sopa de ossos.

Claro que perfeito ninguém é, somente Deus. Lula tem os seus defeitos, assim como o PT, enquanto partido, também tem seus problemas. Mas, é inegável a diferença entre os dois concorrentes.

Vivemos tempos difíceis. A vacinação das crianças no Brasil não atingiu os níveis satisfatórios, graças ao movimento antivacina e anticiência capitaneados pelo próprio presidente da República.

Lula também se apresentou como a alternativa para garantir a harmonia entre os poderes. Durante os quatro anos em que esteve à frente do Executivo, Bolsonaro desrespeitou os outros Poderes da República e flertou com o autoritarismo, o neonazismo, o fascismo, e a ditadura. A esperança venceu o medo.

A palavra de Deus diz que não existe nada encoberto que não venha a ser revelado. Agora os cem anos de sigilo impostos por Bolsonaro aos gastos com cartão corporativo, sua caderneta de vacinação e outras bobagens que deveriam ser públicas, vão acabar. A  verdadeira face de Bolsonaro será exposta. Tudo o que ele escondeu virá à tona. A falsa ameaça comunista era apenas um subterfúgio, uma falácia criada para que ele pudesse se manter no poder com sua corja. Mas a democracia venceu, apesar dele. E apesar dele também, podemos ter esperanças de que o Brasil se livrará do retrocesso e da barbárie em 2023.

Finalmente, faço minhas as palavras do Professor de Direito da USP, Rafael Marfei: “O silêncio de Jair é uma grave quebra de protocolo de civilidade democrática, mesmo para políticos extremistas. Kast não deixou de felicitar Boric no Chile. Mas é sintoma de isolamento e fraqueza, não de ameaça. É a prova última de que ele jamais esteve à altura do cargo.”

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BRASIL RESPIRA DE NOVO COM O FIM DA ERA BOLSONARO

Artigo de Fernando Gabeira

Chegou ao fim a era Jair Bolsonaro. Não nos esperam um jardim florido, um amanhã que canta; pelo contrário, há muitas pedras no caminho.

Mas hoje é dia de celebrar em nome de muita coisa. Da floresta, dos povos originários, que seriam destruídos sem piedade com a sequência da política bolsonarista. Da humanidade que, diante da possibilidade de proteção da Amazônia, respira um pouco mais aliviada tendo em vista a ameaça das mudanças climáticas.

Celebrar em nome das crianças brasileiras que terão a oportunidade de um mutirão pelo ensino, depois da tempestade perfeita: pandemia e uma sequência de incompetentes ministros da Educação.

Celebrar pela paz, uma vez que é possível reverter a política que inundou o país de armas e transformou a sala de jantar de bolsonaristas como Roberto Jefferson num arsenal de fuzis e granadas.

Celebrar pela cultura que emergir desse clima de guerra criado por teóricos da extrema direita, pela ciência que poderá florescer diante de negacionistas que se recusam a admitir a existência de um perigoso vírus ou mesmo a aceitar a forma real do planeta Terra.

Agora, com a derrota de Bolsonaro e seus falsos discursos sobre defesa da família, é possível que amigos, primos e irmãos se reconciliem, sem que isso represente uma capitulação diante das preferências do outro. Aceitar a diferença, despedir-se do clima de ódio é algo tão urgente em nosso país que o próprio Papa Francisco o ressaltou em sua fala no Vaticano.

A esta altura da vida, não tenho ilusões. Nem creio que a gigantesca tarefa de recolocar o Brasil no rumo dependa apenas de um novo presidente. Acredito, no entanto, que o processo de redemocratização que nos trouxe do exílio vive uma nova chance.

Hoje não é dia de falar nisso, mas precisaremos saber por que chegamos a Bolsonaro e que tipo de antídoto social produziremos para evitar uma nova queda. A distância entre os políticos e as pessoas comuns foi uma excelente chance para os oportunistas do tipo vamos “derrubar tudo o que está aí” — leia-se derrubar as instituições.

Vivemos inundados por um tsunami de fake news. Elas foram uma grande ameaça à campanha. Mas são e serão sempre também ameaça a governos. Precisaremos encontrar pontos de convergência que nos unam diante do interesse nacional e compreender que fake news não se combatem apenas com repressão.

Precisaremos de cursos que ensinem os cidadãos a usar seus próprios filtros para que possam resistir a essa arma. Precisaremos encontrar os pontos de convergência, o inequívoco interesse nacional, que possam nos unir, ainda que apenas por alguns momentos.

Precisaremos aprender a distinguir conservadores de reacionários, a mostrar aos religiosos de boa-fé que se equivocaram ao acreditar em líderes espúrios como Jefferson ou Bolsonaro.

São tantas as qualidades que o novo momento exige de nós, que temo anuviar a celebração ao enunciá-las. Paciência, habilidade, imaginação, tolerância, todos esses componentes terão de se combinar não apenas para gritar “nunca mais” como possivelmente todos gritam hoje.

Precisaremos nos entender sobre como transformar o nunca mais numa realidade. No auge das grandes manifestações pelas eleições diretas, ao voltar do exílio, não imaginei que isso era um problema real.

Agora que o autoritarismo, a violência, a intolerância e o obscurantismo rondaram de novo nosso país, seria um absurdo riscar da agenda esse compromisso com o nunca mais.

A maioria do povo brasileiro escolheu um caminho. Nossa missão é trabalhar incansavelmente para que seja um novo caminho, e não apenas mais um descaminho no labirinto da nossa História.

O mundo inteiro celebra nossa volta à comunidade internacional, nossa reintegração ao esforço humano para sobreviver num planeta em crise.

Artigo publicado no jornal O Globo em 31/10/2022

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LULA E UM PAÍS EM CARNE VIVA

Cristina Serra, Folha de S.Paulo

Paraense, jornalista e escritora. É autora de "Tragédia em Mariana - A História do Maior Desastre Ambiental do Brasil". Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense.

Bolsonaro, nunca mais teus maus bofes, tua vulgaridade e tuas mentiras, tuas agressões às mulheres, teus arrotos e palavrões, tuas ofensas aos negros, aos povos indígenas e aos brasileiros do Nordeste, teu ódio aos pobres.

Nunca mais teus fardados bolorentos, teus valentões de Twitter, tuas falanges raivosas, tuas milícias terroristas. Como disse o anônimo haitiano que te enfrentou, em 2020: "Bolsonaro, acabou".

Bolsonaro nunca mais? Não, seus 58 milhões de votos não permitem tal afirmação. As urnas mostraram que vencedores e vencidos têm projetos de país inconciliáveis e pouquíssima capacidade de se comunicar, mas, ao realizar a façanha de se eleger para o terceiro mandato, Lula já diz a que veio.

Lula tem pressa. E o Brasil também. Em seu primeiro discurso pós-eleição, falou de paz e diálogo. Engrandecerá sua biografia se conseguir unir este país em carne viva. Sua trajetória alcança contornos épicos. Lula foi capaz de reafirmar sua liderança depois do golpe de 2016, de uma prisão injusta e de ter tido sua reputação emporcalhada por uma conspiração judicial-midiática. Ao completar seu mandato, em 2026, será o presidente que por mais tempo terá exercido o poder consagrado pelo voto popular.

Sobre a luta permanente por democracia e justiça social, um belo livro dos anos 1970 nos serve como reflexão neste momento crucial de reconstrução. É o pungente "Em câmara lenta", de Renato Tapajós, em nova edição (editora Carambaia), 45 anos depois da primeira.

Um dos personagens reflete sobre os anos de combate à ditadura: "(...) mudar o mundo é transformá-lo sempre — nossa contribuição nunca está dada. Por maior que tenha sido ela, por maior que tenha sido qualquer vitória, nossa contribuição está sempre por fazer. Os que se satisfazem com qualquer vitória desertam no momento mesmo em que se satisfazem. (...) As coisas que valem a pena são aquelas que ainda não foram feitas." É o que Lula precisa fazer.

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domingo, 30 de outubro de 2022

VITÓRIA HISTÓRICA

Da BBC NEWS Brasil

Lula eleito presidente: relembre a trajetória política do petista da infância ao Palácio do Planalto

Com 99,9% das urnas apuradas, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) confirmou oficialmente que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está eleito para a Presidência da República, derrotando em segundo turno o atual presidente, Jair Bolsonaro (PL), por 50,9% a 49,1%.

Será, a partir de janeiro, a terceira vez em que Lula assumirá o comando do governo brasileiro — eleito pela primeira vez em 2002, ele havia sido reeleito em 2006 e governou até 2010, quando conseguiu eleger sua sucessora, Dilma Rousseff.

Relembre a seguir a trajetória do petista.

Origem e raízes políticas

Lula nasceu em 27 de outubro de 1945 na localidade de Caetés — hoje município, na época parte da cidade de Garanhuns —, em Pernambuco.

Aos sete anos de idade, migrou com a família liderada por sua mãe, Dona Lindu, para o Guarujá, no litoral paulista.

A viagem de quase duas semanas foi feita em um caminhão "pau de arara", como era comum na época.

Chegou a São Paulo apenas em 1956. Estabeleceu-se com a família nos fundos de um bar no bairro do Ipiranga, bairro operário onde criaria seu instituto décadas mais tarde.

O primeiro passo para se transformar em político veio em 1962, quando formou-se torneiro mecânico em um curso do Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial). Um ano depois perderia o dedo mínimo da mão esquerda, o que se tornaria uma das suas principais marcas, ao lado da barba farta e da voz rouca.

Casou-se três vezes. A mais recente, em maio de 2022, foi com a socióloga e militante do PT Rosângela Silva, a Janja. A primeira mulher, Maria de Lourdes, morreu em 1970 por conta de uma gravidez de risco, assim como seu primeiro filho. Em 1974, Lula conheceu a também viúva Marisa Letícia (1950-2017), e do casamento nasceram quatro filhos.

Marisa esteve ao lado de Lula em toda sua carreira política, mas o ex-presidente a valorizava ainda mais pelos primeiros anos, quando ela o apoiou desde sua primeira eleição como presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em 1975.

A partir dali ele lançou as greves de operários que contribuíram para o enfraquecimento da ditadura militar (1964-1985). Mas mesmo entre os maiores inimigos cultivou algumas amizades. Era o caso do ex-chefe da Polícia Federal Romeu Tuma, que o liberou da prisão para acompanhar o velório da mãe, em 1980.

Partido dos Trabalhadores

Foi o mesmo ano em que sua carreira político-partidária começou, com a fundação do Partido dos Trabalhadores (PT).

Em 1982, com uma plataforma radical defendida por intelectuais do partido, Lula disputou o governo do Estado de São Paulo e terminou em quarto lugar, com menos de 10% dos votos. Logo depois fundaria a CUT (Central Única dos Trabalhadores) e participaria do movimento Diretas Já, pela volta da democracia.

O movimento não teve resultado imediato, mas a possibilidade de os brasileiros voltarem a votar para presidente reapareceu em 1985, em uma votação no Congresso. Lula, por sua vez, defendeu a abstenção dos deputados petistas na eleição indireta de Tancredo Neves à Presidência da República.

Parlamentares que se rebelaram contra a decisão acabaram expulsos do partido, contra a vontade de Lula. Tancredo morreu antes de tomar posse como presidente. Quando José Sarney assumiu, o PT migrou para a oposição.

Em 1986, Lula se tornou o deputado federal mais votado do país, para participar da Assembleia Constituinte.

O papel discreto não o afastou da candidatura à Presidência da República pela primeira vez, 1989.

Mas Lula perdeu o segundo turno para Fernando Collor de Mello. Dois anos depois, o petista estaria nas ruas para pedir o impeachment de Collor, acusado de corrupção. Quando Itamar Franco tomou o lugar de Collor, Lula recusou cargos no governo.

Em nova disputa nas urnas, acabou derrotado em 1994 por Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, que foi ministro de Itamar e um dos idealizadores do Plano Real, chamado por Lula de "estelionato eleitoral".

Foi um choque para o petista, que meses antes chegara a cogitar a formação de uma chapa moderada ao lado do tucano Tasso Jereissatti como vice. Os planos foram barrados por radicais no PT. Quatro anos depois, surpreendido pela emenda que passou a permitir a reeleição, perdeu novamente para FHC, no primeiro turno.

A impopularidade de FHC em seu segundo mandato tornava a vitória de Lula mais provável em 2002. Além das mudanças políticas e econômicas, Lula abraçou o marketing político como centralizador das mensagens eleitorais.

Um dos pontos cruciais foi a chamada "Carta ao povo brasileiro", em que Lula acalmava o mercado com promessas de manter os pilares macroeconômicos do antecessor e governar com responsabilidade fiscal. Um empresário, José Alencar, se tornou seu confidente e vice-presidente por oito anos.

O sucesso lhe garantiu a vitória contra o também tucano José Serra.

Lula chorou na cerimônia de titulação no Tribunal Superior Eleitoral dizendo que o diploma de presidente da República era o primeiro que tinha ganhado na vida.

A antiga assessora Clara Ant, que coordenou iniciativas de Lula nos últimos 30 anos, define o ex-presidente como "um notório pragmático." "Lula só rompia com os radicais. Mas não dizia nada, esperava até os radicais romperem com ele primeiro. Foi assim como sindicalista e foi assim como político também. Ele só quer saber do que pode dar certo."

No poder, da popularidade ao mensalão

Em seu governo, iniciativas difusas até então se transformaram no unificado Bolsa Família, um programa de transferência de renda voltado aos mais pobres que em 2022 acabou extinto para dar lugar ao Auxílio Brasil, programa do governo de Jair Bolsonaro.

Sob Lula, o que seria uma reforma da Previdência para garantir direitos trabalhistas transformou-se em um aceno ao mercado para lidar com deficit galopante.

Popular internamente, Lula ganhou fama internacional, sobretudo pelas medidas de combate à pobreza. Ficou famoso, em 2009, em reunião do G20, o momento em que o então presidente americano Barack Obama o chamou de "o cara".

O boom das commodities, o avanço de políticas de crédito e a emergência de uma nova classe média geraram anos de crescimento econômico e aumento do consumo, mas no fim do governo Lula esse modelo econômico já dava mostras de esgotamento.

Na política, veio o escândalo do mensalão, em 2005, em que ministros centrais do governo Lula foram acusados de compra de apoio político no Congresso.

Depois de perder para denúncias o seu ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, e de ver seu amigo Delúbio Soares, tesoureiro do PT, apontado como artífice do esquema, Lula se disse "traído", mas evitou apontar os aliados como responsáveis. Sua popularidade afundou até a faixa dos 30% e ele respondeu com acenos para os dois lados.

Primeiro, instituiu a política de valorização do salário mínimo e o ProUni, programa de concessão de bolsas universitárias a jovens carentes. Depois, ofereceu mais ortodoxia na economia, sob o comando do presidente do Banco Central e ex-deputado do PSDB, Henrique Meirelles. Acabou reeleito em 2006, vencendo o tucano Geraldo Alckmin.

Seu segundo mandato foi mais centrado em programas de infraestrutura. Em 2007, Lula privatizou estradas federais, deixando para trás um antigo dogma petista contrário à venda de patrimônio público. Lançou também o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), coordenado por Dilma Rousseff, então ministra-chefe da Casa Civil.

A ex-petista Marta Suplicy acredita que já nessa época Lula pensava em ter uma mulher como sua sucessora. "Mas é curioso que ele tenha escolhido para isso uma pessoa (Dilma) que não era moderada como ele, nem gosta de falar com políticos", diz a política, hoje secretária municipal em São Paulo.

Quando veio a crise econômica internacional, em 2008, o governo Lula disse se tratar de uma "marolinha". O presidente foi à TV pedir aos brasileiros que continuassem impulsionando o consumo. Pouco depois, veio o programa habitacional "Minha Casa, Minha Vida", também a ser coordenado por Dilma.

Lula fez sua sucessora e deixou o cargo com quase 90% de aprovação popular. Mas isso nem de longe significava a aposentadoria do ex-presidente.

Fora do Planalto

Em 2011, nos primeiros meses longe de Brasília, Lula foi diagnosticado com câncer na laringe e iniciou um longo tratamento. Só retornou à cena política para intervir no PT de São Paulo e fazer do ex-ministro Fernando Haddad seu candidato, bem-sucedido, a prefeito.

O ano de 2013 parecia começar bem para Lula, mas os protestos populares do meio daquele ano transformaram Haddad e Dilma em dois grandes alvos dos manifestantes.

Por ter mais traquejo político que os dois tecnocratas que indicou, Lula interveio nas duas gestões. Não faltaram relatos de insatisfação com a autonomia que o ex-presidente exibia para mandar nos governos de outros.

Um antigo aliado que prefere não se identificar define essa liberdade assim: "Parecia aquelas reuniões de ministério quando um assessor dizia ao Lula que ele precisava fazer uma coisa diferente do que planejava. Ele respondia: 'Você tem quantos votos? Eu tenho 50 milhões.' No governo desses (indicados), os votos ainda eram dele."

Muitos petistas esperavam que Lula voltasse a ser candidato a presidente em 2014, mas a vontade de Dilma se reeleger prevaleceu. Em uma campanha acirrada com menor presença do ex-presidente, a petista venceu Aécio Neves por margem estreita.

O ex-porta-voz e cientista político André Singer já via o esgotamento do modelo de conciliação de Lula no início do segundo mandato de Dilma. "Hoje, o PT gira em torno do lulismo. Não é mais o PT com a alma da sua fundação. Mas o lulismo é sobre reforma gradual e pacto conservador, ele vai além do PT e da esquerda. Funcionou para muita gente por muitos anos. Gente que nunca tinha votado em partido de esquerda e que votou por Lula ser dessa forma", disse à BBC News Brasil em 2018.

Lava Jato

Até que, em 2015, a operação Lava Jato inicia investigações sobre figuras-chave de sua administração. As acusações de corrupção na estatal fizeram com que Lula fosse pela primeira vez ouvido como testemunha em uma série de investigações sobre integrantes do seu governo.

No ano seguinte, eclodiu uma nova onda de protestos populares pelo impeachment de Dilma, e polêmicos bonecos de Lula vestidos como presidiário (os "pixulecos") se tornam presença constante nas manifestações.

A Lava Jato resultou na prisão e condenação de antigos aliados de Lula, como o ex-governador do Rio Sergio Cabral (cujas penas chegam a 100 anos, em cinco processos) e o ex-ministro Antonio Palocci, condenado em 2017 a 12 anos por lavagem de dinheiro e corrupção.

Em julho de 2017, o juiz federal Sergio Moro condenou Lula a nove anos e seis meses de prisão por corrupção no julgamento em que era acusado de receber um apartamento no Guarujá (SP) em troca da promoção de interesses da empreiteira OAS junto à Petrobras.

Em março do ano seguinte, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) rejeitou por unanimidade os recursos apresentados pela defesa de Lula contra a condenação.

No início de abril de 2018, um pedido de habeas corpus do ex-presidente foi negado pelo STF. Lula, então, teve sua prisão decretada. Naquele momento, já se apresentava como pré-candidato à Presidência nas eleições que aconteceriam em outubro.

O ex-presidente Lula naquele momento mantinha-se como líder em intenções de votos — ainda que também tivesse significativa taxa de rejeição —, segundo pesquisas eleitorais.

Na prisão

O ex-presidente se manteve figura importante da política nacional durante seu período na prisão.

Chegou a ser registrado como candidato oficial do PT, tendo Haddad como vice, mas seu registro foi negado pelo Tribunal Superior Eleitoral com base na Lei da Ficha Limpa.

Haddad acabou concorrendo e foi derrotado, em segundo turno, por Jair Bolsonaro.

Num primeiro momento, foi impedido de dar entrevistas, mas o STF revogou essa proibição.

Lula deixou a prisão duas vezes. Na primeira, em 14 de novembro do ano passado, ele saiu para prestar depoimento à juíza Gabriela Hardt, que substitui Moro — atualmente ministro da Justiça e Segurança Pública — nas ações da Lava Jato.

Na segunda, em abril deste ano, ficou fora por cerca de nove horas. Ele viajou a São Bernardo do Campo, em São Paulo, para o velório e a cerimônia de cremação de seu neto Arthur, de sete anos, que morreu no dia anterior vítima de uma infecção bacteriana.

Antes disso, em janeiro, a defesa de Lula já havia solicitado à Justiça que o ex-presidente deixasse a prisão para ir ao funeral de seu irmão Genival Inácio da Silva, o Vavá, em São Bernardo do Campo. Mas a juíza Carolina Lebbos — responsável por supervisionar o cumprimento da pena de Lula e autora da decisão que o liberou para o velório do neto — negou.

Na ocasião, a magistrada diz ter tomado a decisão com base em um parecer da Polícia Federal, segundo o qual não era possível, à época, garantir a segurança de Lula e das demais pessoas durante o trajeto até São Bernardo devido ao curto prazo.

Pouco antes do enterro de Vavá, no entanto, o STF autorizou o ex-presidente a deixar a prisão. Mas Lula decidiu não ir — não havia mais tempo hábil.

Liberdade e candidatura

Em 7 de novembro de 2019, uma nova decisão do STF permitiu a saída de Lula da cadeia. O tribunal decidiu que a prisão após condenação em segunda instância era inconstitucional e que réus só poderiam ser presos após o chamado "trânsito em julgado", que é o fim do processo, quando estão esgotadas todas as possibilidades de recurso em instâncias superiores.

Era o caso de Lula, cujo processo não havia transitado em julgado à época.

O ex-presidente foi solto em Curitiba, em 8 de novembro de 2019, depois de passar 580 dias preso.

Mais tarde, em março de 2021, o STF entendeu também que os processos contra Lula não deveriam ter tramitado na Justiça de Curitiba. Pouco depois, em junho, a Corte decidiu também que o ex-presidente não havia sido julgado com imparcialidade por Sergio Moro.

Com isso, as condenações que recaíam sobre Lula foram consideradas nulas, mas o petista ainda poderia responder às mesmas acusações em novos processos, que deveriam ser conduzidos em Brasília.

Só que esse retorno dos processos à estaca zero fez com ocorresse a prescrição da pretensão punitiva, ou seja, havia acabado o prazo legal para a punição dos crimes, no caso de Lula ser considerado culpado.

E quando não há mais possibilidade de punição, as acusações são arquivadas definitivamente. Ou seja, Lula não pode mais ser julgado nos casos do tríplex e do sítio de Atibaia. Hoje, todos os desdobramentos da Lava Jato contra Lula na Justiça estão encerrados ou suspensos.

Isso pavimentou a volta de Lula à cena eleitoral. Em 21 de julho deste ano, o PT oficializou a candidatura de Lula à Presidência, em uma chapa com Geraldo Alckmin (PSB) - ex-governador de São Paulo pelo PSDB que havia sido rival do petista em duas campanhas presidenciais, em 2006 e 2018.

O vídeo de lançamento da campanha anunciava a chapa com uma "receita de Lula com chuchu", em referência ao apelido de Alckmin (que inclusive já havia sido historicamente usado por Lula para se referir ao antigo adversário) e dizendo se tratar de uma "mistura que tem sabor de esperança".

Apesar do sentimento anti-petista de grande parcela da população, Lula se manteve à frente de Jair Bolsonaro nas pesquisas de opinião, beneficiando-se do voto útil ligado à alta rejeição ao atual presidente - em meio à crise econômica, rescaldos da pandemia de covid e posturas polêmicas de Bolsonaro sinalizando possíveis rupturas democráticas ou não cumprimento do resultado das urnas.

- Este texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63065528

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A POLARIZAÇÃO NÃO ACABA AQUI

Lygia Maria, Folha de S.Paulo

Mestre em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina e doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP.

O Brasil elegeu um novo presidente. No momento em que escrevo, o pleito ainda não foi encerrado, mas, na última semana, pensei que, independentemente do resultado, o lado bom seria acabar com toda essa agressividade que vimos durante uma das campanhas mais polarizadas da história recente do país. Todavia meu otimismo logo levou uma rasteira da realidade. A violência não findará. O estrago causado pela polarização política entranhou-se na cultura brasileira.

Isso porque, em vez de criar problemas novos, preferimos manter os antigos. Que respiro seria um governo que pelo menos nos tirasse dessa oscilação infrutífera entre PT e Bolsonaro. Que alívio seria focar nos problemas que de fato afetam a população, em vez de ficar discutindo abstrações como fascismo e comunismo.

O descalabro não se restringiu apenas à campanha eleitoral, invadiu o cotidiano: pais brigaram com filhos, casais se separaram e amizades foram desfeitas. Esse fenômeno resulta da ideia, em voga nos anos 60 e 70, de que "tudo é política". O que você come, a música que escuta e até o sexo manifestariam uma ideologia.

Essa forma de encarar a política é, na verdade, um puritanismo laico: todo e qualquer aspecto da vida é ocasião para dar glórias a um político ou a uma causa. Qualquer filigrana cotidiana pode ser um pecado que exige penitência.

O estrago está feito e não há vislumbre de mudança no horizonte próximo. A oposição ao eleito continuará raivosa e a polarização ainda perturbará a vida do cidadão que quer apenas emprego, botar comida na mesa e se divertir aos domingos.

Milan Kundera, em ensaio no qual trata justamente da politização da vida e dos afetos diz que "a ferida mais dolorosa é a das amizades feridas, e nada é mais tolo do que sacrificar uma amizade pela política".

Se o escritor que viveu a "Primavera de Praga" acha isso, talvez tenhamos o dever de aprender a conviver com nosso avô reacionário ou com aquele amigo comunista dos tempos da faculdade nos próximos anos.

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NAVEGAR, COM LULA, É PRECISO

Cristina Serra, Folha de S.Paulo

Votar no ex-presidente é a chance de reencontrarmos o território dos nossos sonhos

Neste domingo, vote como quem mergulha no fundo do oceano para nos resgatar de um naufrágio. Muitos navegantes, antes de nós, foram abatidos pelas tempestades, mas deixaram traçadas as rotas de navegação e o mapa-múndi dos nossos desejos de nação.

Vote por eles, construtores de Brasil, que tiveram a ousadia de projetar a pátria soberana. O país da educação e da ciência, de Darcy Ribeiro, Anísio Teixeira e Paulo Freire. De Oswaldo Cruz e de todos os sanitaristas, de Nise da Silveira, de Milton Santos e de Josué de Castro, que apontou a chaga mais dolorosa, a fome, ainda a nos atormentar.

Vote no país de projetos interrompidos, de Getúlio, Jango e Tancredo, que, de alguma forma, foi traduzido na Constituição de 1988, sob o comando de Ulysses. O Brasil de militares heróis, sim, nacionalistas e democratas, e cito apenas dois deles, o brigadeiro Rui Moreira Lima e o capitão Sérgio Miranda de Carvalho.

A urdidura de Brasil não existiria sem os irmãos Villas-Bôas e sem a altivez que resiste em Raoni, Ailton Krenak, Davi Kopenawa e em sua recusa da miragem colonizadora, que nos reduz a rios de mercúrio, raízes arrancadas e toras desgarradas na floresta. Vamos votar como eles, que plantam árvores e protegem nascentes, para saciar nossa fome de vida.

Nossa fome de beleza vive em Pixinguinha e Cartola, Noel e Caymmi, em Tom e Vinicius, em Drummond e Amado, em Callado e João Cabral, no violão do João, em Chico e Milton, em Gil e Caetano. Sai das entranhas do Brasil na voz de Clementina. Explode na poesia de Solano Trindade: "tem gente com fome, tem gente com fome (...) se tem gente com fome dá de comer".

avegantes, suportamos a tormenta agarrados a pedaços da embarcação. Alcançamos terra firme, lançados de volta às praias pelas marés. Votar em Lula é a melhor chance que temos para reencontrar o território da nossa obstinação e dos nossos sonhos. Para que possamos, enfim, completar esse esboço de país.

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COMO PUNIR UM EX-PRESIDENTE

Rafael Mafei, PIAUÍ

Abre-se em breve nossa última chance para poder dizer que as instituições funcionaram diante dos crimes de Jair Bolsonaro

Embora ainda haja pouco mais de dois meses até a transmissão formal do cargo, a derrota eleitoral de hoje representa, desde já, o fim político do governo de Jair Bolsonaro. A maioria do eleitorado brasileiro rechaçou, nas urnas, seu projeto para o Brasil. Queremos coisa diversa, mais próxima do que Lula prometeu entregar, ou do que esperamos que ele se empenhará para realizar. A legitimidade que sobra para Bolsonaro, a partir de agora, é bastante limitada: resta-lhe seguir à frente do governo federal, é claro, mas apenas para conduzir uma transição pacífica e colaborativa àqueles que assumirão o país a partir de 1º de janeiro de 2023.

É dever legal de Bolsonaro, ante seu compromisso com a Constituição e a exigência de probidade, impessoalidade e eficiência que norteiam o exercício da Presidência da República, que ele ofereça à equipe de Lula aquilo que recebeu do time de Michel Temer há quatro anos. Logo após a vitória de Bolsonaro em 2018, Temer acolheu o nome indicado por Bolsonaro, o à época futuro ministro da Casa Civil Onyx Lorenzoni, como condutor da transição dentro da administração federal. Lorenzoni trabalhou diretamente com o então ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, e trouxe consigo outros nomes para imediatamente tomar pé de aspectos gerenciais, administrativos e políticos dos vários projetos e programas em curso, de modo que a mudança de governo não implicasse paralisia ou prejuízo a políticas públicas, nem lentidão do início da nova administração. A sequência de fiascos que se sucederam na Casa Civil, e que levaram Lorenzoni a deixar o cargo pouco mais de um ano depois, não foram ocasionados por sabotagem ou falta de cooperação de membros do governo Temer; foram apenas a expressão primeira da incompetência atávica que marcou todo o governo bolsonarista, hoje castigado pelas urnas.

Bolsonaro poderá gastar os dois meses que ainda tem no cargo dedicando-se ao ócio do qual diz sentir falta, aproveitando as mordomias de seu cargo enquanto o dia da passagem da faixa não chega. Isso nos custará dinheiro, mas sairá mais barato do que a alternativa: humilhado, enfurecido e inconformado, Bolsonaro poderá usar o tempo de poder que ainda lhe resta não para facilitar, mas para dificultar a transição ao novo governo. O prejuízo, nesse caso, seria sensível, pois do trabalho da equipe de transição depende, fundamentalmente, a preparação de todos os atos de governo a serem imediatamente executados após a posse do novo presidente. Restaria-nos então pensar em como reagir a esse ato final de avacalhação institucional eventualmente promovido por Jair Bolsonaro.

Aprimeira coisa a se ter em mente é que a transição de governo é matéria regulada em lei federal. Em 2002, dois dias antes da eleição que deu a primeira vitória presidencial a Lula, o então presidente Fernando Henrique Cardoso, contra quem o PT fizera oposição combativa – especialmente durante aquele segundo mandato – editou uma medida provisória que disciplinou a transição de governo, prevendo a possibilidade de nomeação de uma equipe, com até cinquenta nomes, que poderia integrar-se imediatamente à administração federal. Ao final daquele ano, com o governo de transição já a pleno vapor, a MP foi convertida na lei 10.609, de 2002. A previsão legal faz toda a diferença, pois ela dá respaldo ao direito de Lula exigir, inclusive judicialmente se necessário for, a integração de sua equipe de transição à administração federal já a partir desta terça-feira. Com isso, o custo para uma estratégia de sabotagem na transição eleva-se bastante, especialmente para as funcionárias e funcionários públicos que tiverem de colocar seus nomes na formalização de atos oficiais. 

Ainda assim, essa é uma proteção limitada. Presidentes da República têm grandes poderes até o fim de seus mandatos. Politicamente, mesmo derrotado, Bolsonaro segue comandando uma legião grande de seguidores, muitos dos quais continuarão atuando no Congresso, e outros tantos na máquina federal. Tratando-se de alguém com espírito público nenhum e lealdade democrática zero, como é o seu caso, devemos nos preparar para a hipótese de que ele use seus poderes inclusive para atrapalhar o eventual trabalho da equipe de transição de Lula. Um punhado de transferências de cargos de alto e médio escalão entre ministérios, por exemplo, poderá criar um cenário de confusão e ignorância administrativa inteiramente prejudiciais à eficiência do trabalho de transição, que não tem como se executar sem genuíno compromisso e boa-fé de ambas as partes – coisa que Jair Bolsonaro não tem em relação a seus adversários.

Nesse quesito, é curioso – e preocupante – notar o quanto as normas e processos vigentes para disciplinar e responsabilizar a Presidência da República nos deixam desprotegidos. Desde que não cometa atos previstos como crimes (comuns), como corrupção ou peculato, e limite-se a atos de improbidade presidencial, como expedir ordens contrárias à Constituição (que comanda impessoalidade, moralidade e eficiência), não tornar efetiva a responsabilidade de seus subordinados, ou agir de modo desonrado e indecoroso, é praticamente impossível, à luz da compreensão jurídica hoje prevalecente, que o presidente da República seja punido em fim de mandato. 

Há algum tempo, o STF vem decidindo que a disciplina da improbidade administrativa presidencial é compreendida pelo impeachment, de forma que apenas por essa via esses atos seriam puníveis. Mas como seria possível um impeachment nos meses finais de um mandato? Não há nem condição política nem tempo hábil (à luz do rito) para tanto. Criamos a fórmula para a improbidade perfeita – a não ser que ousemos defender que o fim do mandato implica não a impossibilidade absoluta de punir os ilícitos em final de mandato, mas apenas a perda do foro especial (no Senado) e da necessidade de autorização política (na Câmara), cabendo eventual ação de improbidade no juízo comum, como acontece com todas as demais ex-autoridades políticas do Brasil. Eis uma tese que o Ministério Público eventualmente poderá ensaiar, à luz do comportamento de Bolsonaro a partir de amanhã.

Mas mesmo sem isso, considerando o saldo de seu governo de hoje para trás, é esperado que Jair Bolsonaro gaste tempo e preocupação reunindo-se com sua equipe de defesa a partir de 1º de janeiro de 2023. Com o final de seu mandato, acabará também sua prerrogativa de foro (“foro privilegiado”), que hoje concentra a competência para acusá-lo nas mãos do Procurador-Geral da República – que procurou de tudo, menos trabalhar contra os interesses de Bolsonaro. Ao invés de concentrada nas mãos de um único órgão, os poderes de investigar e denunciar Jair Bolsonaro passarão às mãos de membros do Ministério Público dos vários locais do Brasil onde ele, em tese, cometeu crimes comuns ao longo de seu mandato, que nunca foram devidamente imputados a ele porque a dupla de zaga Aras-Lira trancou bem a defesa. Entram aqui possíveis ameaças, crimes contra a honra e delitos contra a saúde pública nos muitos municípios brasileiros onde ele potencialmente violou normas antipandêmicas. É a nossa última chance de poder dizer, sem cinismo, que as instituições terão funcionado contra os abusos de Jair Bolsonaro.

Rafael Mafei

É professor da Faculdade de Direito da USP e autor de Como remover um presidente (Zahar, 2021).

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A IMPORTÂNCIA DO VOTO

Artigo de Rachel de Queiroz

O artigo "Votar" de Rachel de Queiroz foi publicado na revista O Cruzeiro, em 11 de Janeiro de 1947, com o objetivo de alertar os eleitores de então, quanto a importância do voto, continua contemporâneo.

Não sei se vocês têm meditado como devem no funcionamento do complexo maquinismo político que se chama governo democrático, ou governo do povo. Em política a gente se desabitua de tomar as palavras no seu sentido imediato. No entanto, talvez não exista, mais do que esta, expressão nenhuma nas línguas vivas que deva ser tomada no seu sentido mais literal: governo do povo. Porque, numa democracia, o ato de votar representa o ato de FAZER O GOVERNO.

Pelo voto não se serve a um amigo, não se combate um inimigo, não se presta ato de obediência a um chefe, não se satisfaz uma simpatia. Pelo voto a gente escolhe, de maneira definitiva e irrecorrível, o indivíduo ou grupo de indivíduos que nos vão governar por determinado prazo de tempo.

Escolhem-se pelo voto aqueles que vão modificar as leis velhas e fazer leis novas - e quão profundamente nos interessa essa manufatura de leis! A lei nos pode dar e nos pode tirar tudo, até o ar que se respira e a luz que nos alumia, até os sete palmos de terra da derradeira moradia.

Escolhemos igualmente pelo voto aqueles que nos vão cobrar impostos e, pior ainda, aqueles que irão estipular a quantidade desses impostos. Vejam como é grave a escolha desses "cobradores". Uma vez lá em cima podem nos arrastar à penúria, nos chupar a última gota de sangue do corpo, nos arrancar o último vintém do bolso.

E, por falar em dinheiro, pelo voto escolhem-se não só aqueles que vão receber, guardar e gerir a fazenda pública, mas também se escolhem aqueles que vão "fabricar" o dinheiro. Esta é uma das missões mais delicadas que os votantes confiam aos seus escolhidos.

Pois, se a função emissora cai em mãos desonestas, é o mesmo que ficar o país entregue a uma quadrilha de falsários. Eles desandam a emitir sem conta nem limite, o dinheiro se multiplica tanto que vira papel sujo, e o que ontem valia mil, hoje não vale mais zero.

Não preciso explicar muito este capítulo, já que nós ainda nadamos em plena inflação e sabemos à custa da nossa fome o que é ter moedeiros falsos no poder.

Escolhem-se nas eleições aqueles que têm direito de demitir e nomear funcionários, e presidir a existência de todo o organismo burocrático. E, circunstância mais grave e digna de todo o interesse: dá-se aos representantes do povo que exercem o poder executivo o comando de todas as fôrças armadas: o exército, a marinha, a aviação, as polícias.

E assim, amigos, quando vocês forem levianamente levar um voto para o Sr. Fulaninho que lhes fez um favor, ou para o Sr. Sicrano que tem tanta vontade de ser governador, coitadinho, ou para Beltrano que é tão amável, parou o automóvel, lhes deu uma carona e depois solicitou o seu sufrágio - lembrem-se de que não vão proporcionar a esses sujeitos um simples emprego bem remunerado.

Vão lhes entregar um poder enorme e temeroso, vão fazê-los reis; vão lhes dar soldados para eles comandarem - e soldados são homens cuja principal virtude é a cega obediência às ordens dos chefes que lhe dá o povo. Votando, fazemos dos votados nossos representantes legítimos, passando-lhes procuração para agirem em nosso lugar, como se nós próprios fossem.

Entregamos a esses homens tanques, metralhadoras, canhões, granadas, aviões, submarinos, navios de guerra - e a flor da nossa mocidade, a eles presa por um juramento de fidelidade. E tudo isso pode se virar contra nós e nos destruir, como o monstro Frankenstein se virou contra o seu amo e criador.

Votem, irmãos, votem. Mas pensem bem antes. Votar não é assunto indiferente, é questão pessoal, e quanto! Escolham com calma, pesem e meçam os candidatos, com muito mais paciência e desconfiança do que se estivessem escolhendo uma noiva.

Porque, afinal, a mulher quando é ruim, dá-se uma surra, devolve-se ao pai, pede-se desquite. E o governo, quando é ruim, ele é que nos dá a surra, ele é que nos põe na rua, tira o último pedaço de pão da boca dos nossos filhos e nos faz apodrecer na cadeia. E quando a gente não se conforma, nos intitula de revoltoso e dá cabo de nós a ferro e fogo.

E agora um conselho final, que pode parecer um mau conselho, mas no fundo é muito honesto. Meu amigo e leitor, se você estiver comprometido a votar com alguém, se sofrer pressão de algum poderoso para sufragar este ou aquele candidato, não se preocupe. Não se prenda infantilmente a uma promessa arrancada à sua pobreza, à sua dependência ou à sua timidez. Lembre-se de que o voto é secreto.

Se o obrigam a prometer, prometa. Se tem medo de dizer não, diga sim. O crime não é seu, mas de quem tenta violar a sua livre escolha. Se, do lado de fora da seção eleitoral, você depende e tem medo, não se esqueça de que DENTRO DA CABINE INDEVASSÁVEL VOCÊ É UM HOMEM LIVRE. Falte com a palavra dada à fôrça, e escute apenas a sua consciência. Palavras o vento leva, mas a consciência não muda nunca, acompanha a gente até o inferno".

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sábado, 29 de outubro de 2022

DEPUTADA BOLSONARISTA CARLA ZAMBELLI APONTA ARMA PARA HOMEM EM SP

Mariana Zylberkan, Carlos Petrocilo, Artur Rodrigues, Folha de S.Paulo

Carla Zambelli diz ter atirado para o alto após ter sido xingada por lulista

SÃO PAULO A deputada federal Carla Zambelli (PL) disse que atirou para o alto e perseguiu um homem após ser xingada em frente a um restaurante nos Jardins, na zona oeste de São Paulo na tarde deste sábado (29).

Ela, então, perseguiu o homem armada até um bar próximo dali. As imagens estão sendo compartilhadas em vídeo nas redes sociais.

Segundo legislação eleitoral, o porte de arma e de munição é proibido por colecionadores, atiradores desportivos e caçadores nas 24 horas que antecedem e sucedem o dia de votação. Uma resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprovada em setembro determina que o descumprimento da regra pode acarretar prisão em flagrante por porte ilegal.

A deputada, no entanto, diz que ignorou a resolução de forma conscientemente por se tratar de uma determinação ilegal a seu ver. "Não é lei, a resolução é ilegal, e ordens ilegais não se cumprem. Conscientemente estava ignorando a resolução, e continuarei ignorando a resolução do doutor Alexandre de Moraes, porque ele não é legislador. Ele é, simplesmente, o presidente do TSE e um membro do STF", disse Zambelli aos jornalistas, ainda na frente do restaurante.

Zambelli afirma ter o porte de arma federal para defesa pessoal e patrimonial, que é expedido por um delegado da Polícia Federal, diferente dos CACs, cuja autorização de porte é concedida pelo Exército.

De acordo com o instrutor de armas e deputado federal recém-eleito Paulo Bilynskyj (PL), para obter o porte de armas federal é preciso comprovar a efetiva necessidade por meio de um processo. O aval é dado pela PF. No caso dos CACs, não há essa exigência.

Em entrevista à Folha, a Zambelli afirmou que estava almoçando com o filho de 14 anos, quando um grupo de pessoas a reconheceu e ficou do lado de fora.

A deputada disse que um homem, bastante exaltado, a ofendeu com palavrões e a chamou de prostituta. Além disso, segundo o relato, ela teria recebido uma cusparada e também caiu no chão após ser empurrada.

"Eu estava almoçando com meu filho no bar, um homem começou a me xingar e falar que o Lula iria ganhar. Eu tenho porte federal de armas, [mostrei] até para ele parar", disse a deputada à Folha.

Um vídeo mostra o homem discutindo com Zambelli na calçada. A deputada cai no chão, levanta e sai correndo atrás dele junto com outro homem armado. É ouvido um disparo.

Ela afirma que queria que o homem parasse para que a polícia fosse acionada. Nesse momento, ela diz que alguém teria feito menção de sacar uma arma que estaria "velada" e fez um disparo para o alto.

"Com certeza [motivação política partidária], ficou gritando Lula, dizendo que Lula vai ganhar. Me chamou de burra, vagabunda, prostituta", contou. "Várias pessoas ficaram olhando, tenho como provar com testemunhas."

Na sequência, Carla atravessou a rua com a arma em punho, entra no bar e manda o homem deitar no chão. "Você quer me matar para quê?" pergunta o homem sob a mira da deputada.

O homem negro grita por socorro e depois foge correndo pela rua.

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) disse que a Polícia Militar foi acionada, por volta das 16h30 deste sábado, para o atendimento de ocorrência na alameda Lorena, e o caso será apresentado ao plantão do 78º DP (Jardins), em funcionamento no prédio do 4º DP (Consolação).

Em sua página no Instagram, a deputada aparece ofegante ao lado de um policial e afirma que registrou boletim de ocorrência. "Fui agredida agora pouco, me empurraram no chão. Eram vários. Eles usaram um homem negro para vir para cima de mim", disse Carla no vídeo.

Em um outro vídeo, publicado nas redes sociais por Darcio Bracarense, um dos fundadores do movimento Nas Ruas, a deputada afirma ter suposto que o homem estava armado.

"Um deles estava com um volume na cintura e a impressão que eu tive é que ele iria sacar a arma pra mim. Então, saquei também em legima defesa", disse.

Pessoas que estavam no bar onde ocorreu a ameaça ouviram dois tiros e que o homem perseguido pedia para não morrer.

De acordo com João Guilherme Desenzi, que é vice-presidente da Juventude Socialista do PDT e aparece nas imagens no bar, Zambelli e os seus dois seguranças, todos de arma em punho, gritando "aqui é polícia". A deputada, segundo Desenzi, estaria com a arma apontada em direção ao homem.

De acordo com ele, o homem dizia que não queria morrer.

"Ela apontou a arma para ele, e vira apontando para mim", disse. "Ela queria que ele pedisse desculpas, dizia você me xingou, deita no chão, senão vou atirar", afirma Desenzi, que estava com amigos no mesmo bar.

"No final ainda ela disse só não vou te prender porque hoje ninguém pode ser preso", disse. No final, homem teria feito um L, e ela teria dito, segundo os relatos ‘continua mesmo, ainda vou te pegar’.

Outra testemunha presente no bar, o advogado Victor Marques disse que o homem só foi liberado por Carla e os seus seguranças depois que pediu desculpas para a deputada.

Assassinatos, agressões e ameaças com motivação política se acumulam nas eleições deste ano desde o período pré-campanha.

Em julho, um policial bolsonarista invadiu uma festa de aniversário e matou a tiros um eleitor de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em Foz do Iguaçu, no Paraná.

Em 2020, a deputada postou fotos em que aparece disparando um fuzil durante aula em um clube de tiro.

Natural de Ribeirão Preto (SP), Carla foi reeleita com 946.244 votos nesta eleição - em 2018, ela havia conseguido 76.306 votos. Ao longo do mandato, a deputada foi uma das mais fervorosas entre os bolsonaristas na defesa das pautas conservadoras.

A sua aversão ao PT já lhe rendeu outros problemas. Antes de ser eleita deputada, ela recebeu voz de prisão da polícia legislativa por xingar o deputado Paulo Pimenta (PT-RS) em uma sessão da CPI da JBS, em 2017. Na época, ela atuava como uma liderança do movimento NasRuas, grupo que se notabilizou pela defesa do impeachment de Dilma Rousseff.

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UMA ELEIÇÃO CRUCIAL

Editorial Folha de S.Paulo

Os quase quatro anos de Jair Bolsonaro (PL) na Presidência colocaram em xeque as instituições do país, no maior teste de estresse pelo qual passou a democracia brasileira. Colocaram sob escrutínio também o jornalismo apartidário, pedra basilar deste jornal.

Conforme o país se prepara para fazer sua escolha, a Folha se mantém convencida de que o apartidarismo é a melhor forma de fazer jornalismo crítico, isento e independente, o de maior utilidade pública.

Neste domingo (30) o eleitor brasileiro tem duas opções bastante distintas a sua frente.

Se a escolha for por Bolsonaro, o voto recairá no político que deixou de lado as responsabilidades de governo para se dedicar a seu projeto tirânico de eliminar limites ao poder presidencial.

O que está em jogo não são apenas os próximos quatro anos. São as quase quatro décadas de exercício pleno da democracia no Brasil, exemplar em qualquer lugar do mundo. É essa conquista fundamental da sociedade que está sob a ameaça do projeto cesarista de Bolsonaro.

Atacou o Judiciário e, principalmente, o Supremo Tribunal Federal sempre que pôde. Colocou a Procuradoria-Geral da República a seus pés. Tentou desacreditar o seguro sistema eleitoral e suas urnas eletrônicas, de renome mundial.

Nomeou militares em número recorde para postos no governo. A maioria dolorosamente incompetente, caso do general à frente da Saúde durante a pandemia. Desacreditou e retardou a vacina na maior crise sanitária a atingir o mundo em gerações.

Alvejou com sua pauta de costumes obscurantista o consenso iluminista, no esforço tresloucado de converter civilidade em barbárie. Fez apologia da tortura. Armou a população por decreto e afrontou o Estado de Direito, as mulheres, a laicidade, as minorias e a imprensa independente.

Estimulou o desmatamento da Amazônia e desprezou a pauta ambiental e climática, transformando o país em pária internacional.

Se a maioria preferir Luiz Inácio Lula da Silva, o eleito será um político que na sua passagem pelo Planalto deixou realizações e também manchas, em particular nos casos escabrosos de corrupção descobertos em seus governos. Ao longo de sua trajetória, deu seguidas mostras de respeito ao jogo democrático.

Nesta campanha, o petista não deixou claros seus planos no campo vital da economia. Não indicou se pretende reeditar a gestão responsável que marcou seu primeiro mandato ou o estatismo perdulário que culminou no desastre social de Dilma Rousseff.

Seja qual for a escolha do eleitorado, a Folha se compromete a fazer uma cobertura crítica ao próximo governo. E a zelar pela democracia.

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ÚLTIMO LEVANTAMENTO

Natália Santos, O Estado de S.Paulo

Na véspera do segundo turno da eleição presidencial, disputada por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL), o ex-presidente está à frente do presidente.

O Estadão separou os resultados dos principais levantamentos de intenção de voto.

Confira as principais pesquisas eleitorais

Datafolha

Divulgada neste sábado, 29, a mais recente pesquisa Datafolha apontou Lula com 52% dos votos válidos ante 48% de Bolsonaro. A margem de erro do levantamento é de dois pontos para mais ou para menos. Confira a pesquisa (BR-08297/2022)

Ipec

Na última pesquisa Ipec antes do segundo turno, também deste sábado, 29, Lula tem 54% dos votos válidos; Bolsonaro, 46%. A margem de erro é de 2 pontos porcentuais. Confira a pesquisa (BR-05256/12).

CNT/MDA

Segundo pesquisa CNT/MDA deste sábado, 29, o ex-presidente Lula aparece empatado tecnicamente com o presidente Bolsonaro. O petista tem 51,1% dos votos válidos enquanto o atual chefe do Executivo tem 48,9%. A margem de erro do levantamento é de 2,2 pontos porcentuais. Confira a pesquisa (BR-01820/2022).

Quaest

A pesquisa Quaest divulgada no dia 29 de outubro indicou o ex-presidente Lula com 52% dos votos válidos. O presidente Bolsonaro, segundo o levantamento, teria 48%. A margem de erro é de dois pontos porcentuais. (BR-05765/2022).

Paraná Pesquisas

O mais recente levantamento do instituto Paraná Pesquisas, divulgado no dia 25 de outubro, mostrou um empate técnico entre os adversários: o petista com 50,4% dos votos válidos para retornar ao Planalto e o atual chefe do Executivo com 49,6% para a reeleição. A pesquisa conta com uma margem de erro de 2 pontos porcentuais. (BR-09573/2022).

PoderData

A PoderData, divulgada no dia 26 de outubro, registrou o ex-presidente petista com 53% dos votos válidos e o atual chefe do Executivo com 47%. A margem de erro de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos. Confira a pesquisa (BR-01159/2022).

Ipespe/Abrapel

A Ipespe/ABRAPEL, divulgada no dia 25 de outubro, mostrou também um cenário de empate técnico na disputa presidencial ,com Lula com 53% dos votos válidos e Bolsonaro com 47%. A margem de erro estimada é de 3 pontos porcentuais para mais ou para menos. Confira a pesquisa (BR-08044/2022).

SEGUNDO TURNO

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As pesquisas selecionadas para essa matéria são as mesmas utilizadas no Agregador de Pesquisas do Estadão, que calcula o cenário mais provável da disputa a cada dia com metodologia própria do Estadão Dados.

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