Advogado criminal, presidiu a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (2001-2004).
O último domingo começou com a resistência armada do ex-deputado Roberto Jefferson a mandado de prisão expedido pelo Supremo Tribunal Federal depois de inominável agressão à ministra Cármen Lúcia.
O acontecimento escancara, uma semana antes da eleição, as entranhas golpistas e corruptas do governo Bolsonaro.
Aliado fiel do presidente, o preso domiciliar tem acesso fácil a farto armamento de guerra —assim como milhares e milhares de milicianos disfarçados de colecionadores, atiradores esportivos e caçadores.
Jefferson recebe agentes da Polícia Federal com granadas (de efeito moral, mas aparentemente temperadas com pregos, para ferir) e cinquenta tiros de fuzil. Ao longo do dia, não há reação oficial ao atentado.
Antes de atirar, divulga a explicação de seu gesto nas redes sociais: "A minha raiz está plantada. O que eu quero vocês sabem. O jogo que eu estou jogando vocês sabem. Eu não vou me entregar". Tudo parece premeditado: a escalada verbal contra a ministra do STF na véspera, o jogo presidencial do golpe de Estado, a disposição para atear fogo à política.
"O que o senhor precisar a gente vai fazer", confessaria horas depois o dócil e divertido policial federal enviado para "negociar" a prisão do autor de tentativas de homicídio cometidas contra colegas seus de trabalho. O bate-papo amistoso é filmado e as imagens difundidas para que não haja dúvida de que a Polícia Federal é, sim, penico de Jair Bolsonaro.
Tudo é constrangedor: o deslocamento do ministro capacho da Justiça, a intervenção direta do padre de araque Kelmon e a deformidade moral que encontra em decisões judiciais do ministro Alexandre de Moraes a motivação para o desvario delinquente de Jefferson.
Paradoxalmente, a ideia da resistência à lei e à ordem tem a simpatia da quadrilha que se apossou do Palácio do Planalto justamente em nome da lei e da ordem.
O ex-deputado Daniel Silveira, outro porta-voz do golpismo desenhado por Bolsonaro e seus asseclas, também resistiu heroicamente à tornozeleira eletrônica: além de frequentar os coquetéis dos ministérios, recebeu indulto presidencial. O próprio presidente da República, mensageiro da paz miliciana, diz que dorme com arma ao lado da cama e que vai atirar para matar se tentarem prendê-lo.
Bolsonaro esperou o desenrolar dos acontecimentos para definir se Roberto Jefferson seria herói ou bandido. Como a resistência armada pegou mal entre aqueles que se sentem confortáveis diante da violência policial, normalmente praticada contra pretos e pobres "suspeitos", o ex-deputado, sempre fiel ao governante golpista, foi entregue ao sistema prisional como o militante do bem que virou "bandido" por causa da ditadura do Judiciário.
Depois da profissionalização patrocinada pelos governos de FHC e Lula, a Polícia Federal, sob o manto de Bolsonaro, retoma a trilha anterior de instituição inepta e corrompida. Desde que assumiu o poder, a ordem do dia é proteger familiares e amigos, perseguir adversários e tolerar a delinquência ambiental.
É por esse motivo que o assessor do TSE demitido terça-feira no contexto de outra farsa patrocinada pelo governo para criar suspeitas em torno da disputa eleitoral é levado para um estranhíssimo "depoimento" na PF.
Independentemente do resultado da eleição, resta saber se a valorosa banda honesta da Polícia Federal sobreviverá.
Jair Bolsonaro é muito pior que Roberto Jefferson.
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