Às vésperas das eleições, o presidente Jair Bolsonaro lançou a última “bala de prata” para tentar arregimentar votos da parcela mais vulnerável da população. Quando ninguém mais esperava, o governo regulamentou o empréstimo consignado para beneficiários do Auxílio Brasil, medida que tem tudo para dar errado. A exemplo de várias outras políticas da administração bolsonarista, trata-se de uma iniciativa que não esconde a pretensão de explorar a miséria de uma forma inédita e indecorosa.
Até propor a linha de crédito via medida provisória, em março, e sancionar a proposta, em agosto, não havia passado pela cabeça de nenhuma autoridade do Executivo a ideia de definir critérios mínimos para as operações – nem mesmo a imposição de um teto para os juros de uma modalidade para pessoas que literalmente dependem de um programa de transferência de renda para se alimentar.
Entidades jurídicas e de defesa do consumidor pediram ao governo que realizasse estudos e ouvisse especialistas e a sociedade civil antes de regulamentar a proposta. Em um manifesto, elas alertaram que a concessão de crédito sem a análise real da capacidade de pagamento dos beneficiários era irresponsável e contrária ao ordenamento jurídico.
O governo poderia ter aproveitado a campanha para deixar a proposta morrer no esquecimento. Decidiu, no entanto, fixar um limite para os juros de 3,5% ao mês, ou 51,11% ao ano, maior que as taxas praticadas em consignados para trabalhadores do setor privado, do setor público, aposentados e pensionistas. Limitou, também, o comprometimento da renda dos beneficiários a 40% do valor permanente do Auxílio Brasil – ou seja, R$ 400, e não os R$ 600 que valerão somente até o fim do ano.
Para o diretor executivo da Associação Nacional de Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), Miguel Ribeiro de Oliveira, a linha de crédito continua a ser uma “temeridade”. Da forma como foi regulamentada, ela não resguarda nem mesmo o mínimo existencial, instituído por decreto publicado em julho para conter o superendividamento, que estabelece que uma renda de 25% do salário mínimo, ou R$ 303, deve ser preservada aos credores em qualquer renegociação de empréstimo.
O que chamou a atenção nesse arremedo de política pública não foram as críticas da Anefac e do Idec, que eram até esperadas, mas o desinteresse dos maiores bancos desde o momento em que a linha de crédito foi lançada. Quando até instituições financeiras, que pautam sua atuação pelo lucro, se recusam a aderir a uma proposta gestada pelo governo, é porque há algo muito errado com ela. Essa postura não se deu em razão da baixa remuneração ou temor de um calote. Ao contrário do governo, elas não quiseram assumir o risco reputacional de ofertar uma linha que explora sem pudor a parcela mais vulnerável da população. Como bem definiu o economista Ricardo Paes de Barros, um dos criadores do Bolsa Família, o consignado do Auxílio Brasil é mais uma evidência a corroborar o quanto o Estado se afastou dos mais pobres.
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