Engenheiro e jornalista, foi repórter, correspondente, editor e secretário de Redação na Folha, onde trabalha desde 1991. É ombudsman
O pior dos mundos parece ter se materializado no último domingo (2). Se pensou na vitória magra de Luiz Inácio Lula da Silva, que não conseguiu dispensar o jogo da volta, é bom lembrar que a coluna é sobre mídia. Institutos de pesquisa levaram um baile das urnas, e o golpismo explícito dos bolsonaristas ganhou argumentos para nova tentativa de cerceamento da democracia e da liberdade de expressão e imprensa. É isso o que está em jogo nas ameaças aos institutos feitas pelo candidato Jair Bolsonaro, até mesmo em programa eleitoral, e por seus aliados. Não prosperariam em um país sério, mas estamos longe dessa condição há tempos.
Não que países sérios não discutam pesquisas, tropeços e suas consequências. O advento das redes sociais acelerou a mobilidade do voto; as fake news, sua volatilidade. É uma excelente discussão, a ser tratada com distanciamento e análise, não com frases infantis, atos policialescos ou projetos de lei incongruentes e inconstitucionais. Quer dizer, enquanto houver um Supremo para constatar isso.
A gritaria contra os levantamentos ganhou força no 7 de Setembro, quando as pesquisas substituíram as urnas eletrônicas no foco da manifestação subversiva. Esta coluna discutiu o fato e criticou o pouco destaque da Folha à mudança de tática. Imaginou até que pudesse haver problema na véspera se os resultados das últimas pesquisas favorecessem o voto útil em Lula. O roteirista desta confusão chamada Brasil foi mais criativo, invertendo o destino do sufrágio de ocasião e empurrando o tiroteio para agora.
Muitos leitores escreveram ao ombudsman e ao jornal. Se a explicação da virada de última hora em favor de Bolsonaro é razoável e os números de Lula se encontraram na margem de erro, apenas com muita boa vontade dá para entender o que ocorreu nos levantamentos estaduais. Muitas explicações apareceram: retranca antipetista, parâmetros das amostras, perseguição a pesquisadores, boicotes estimulados. Fosse o governo liberal, faria o que o livre mercado sempre faz: ganha clientes quem acerta, perde quem erra, como explicou com simplicidade Laura Karpuska. O governo, no entanto, é autoritário, todo mundo já sabe. A novidade é nada disso ter dado conta da frustração de quem projetou um resultado completamente diferente.
Os números do Datafolha e do Ipec, os dois mais respeitados institutos do país e por isso visados, não fizeram as pessoas acreditarem que Lula venceria. Isso é conversa golpista. Fizeram é muita gente imaginar que a contenda presidencial seria mais folgada e que as urnas seriam pródigas em respostas ao bolsonarismo. O bicho que saiu das urnas foi bem outro e assustou.
Colunistas passaram a última semana debatendo e, alguns, se debatendo sobre o que ocorreu. Entre não reconhecer ou não querer reconhecer o país em que vivemos, a mídia profissional, como veículo de conhecimento, obviamente tem sua parcela de culpa. A incompetência não está nas pesquisas, mas na desconexão com o ao redor. Matar o mensageiro não nos livra da mensagem.
TRANSPARÊNCIA
Como bem descreveu Mauricio Stycer, esta é a eleição das pesquisas. Sobram análises e opiniões, mas faltam reportagens. A enorme quantidade de levantamentos e a dinâmica atual do jornalismo levaram a uma espécie de futebolização da cobertura eleitoral. A notícia de que haverá uma nova pesquisa é a coisa mais lida na Folha; O Globo abre "Ao vivo" no site para destrinchar os dados; GloboNews reúne seus comentaristas em um formato que lembra as mesas-redondas boleiras, que nunca foram redondas de verdade.
Nada contra a análise exaustiva dos números, mas não são eles que dirão o que está acontecendo no país. Pior, acabam superestimados quando deveriam ser sempre relativizados, já que apenas apontam preferências, a chamada fotografia do momento. Se há algum erro nas pesquisas, ele está nesse manejo da divulgação.
Depois da semana de pauladas, a Folha alterou sua cobertura do Datafolha. Os títulos estão mais literais, os textos lembram que pesquisa não é resultado futuro, os gráficos denotam as margens de erro e um providencial "Entenda" explica a maneira correta de ler levantamentos. A ver se a transparência faz frente às tentativas de virada de mesa.
INVISIBILIDADE
A semana foi repleta de afagos públicos aos candidatos do segundo turno. A Folha deu ampla visibilidade ao "apoio incondicional" de Rodrigo Garcia a Bolsonaro, mas nem tanto ao fato de que um governador de São Paulo não pode ser tão subserviente. Do lado lulista, a manifestação de voto mais significativa foi a de Simone Tebet, com discurso importante, cheio de recados. O jornal conseguiu não dar sua imagem na Primeira Página.
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