sexta-feira, 7 de outubro de 2022

RESPOSTA A UM AMIGO REVOLTADO

Edmundo Lima Arruda Jr., OS DIVERGENTES

Não tenha ódio ou ressentimentos com o povo por ele ter dado a Bolsonaro mais de 50 milhões de votos dos quais quase 44% dos votos válidos. Reacionário é um adjetivo curioso pois designa a qualidade de quem reage. De fato o  povo é conservador e reage, mas não necessariamente ele é reacionário no sentido convencional do ser da ultradireita. Esse povo reage  por desinformação, claro (nós também, ou não?) mas em boa medida com a percepção objetiva, a exemplo do anti-lulismo.

Esse mesmo povo que conferiu a Lula 87% de apoio ao deixar o segundo governo e que hoje lhe confiou mais de 60 milhões de votos é o povo que por ele nutre ojeriza. Então o povo é plural e segmentado, igual os setores medianos. Parcela desse povo, talvez com ênfase em ex-lulistas, condenam aquilo que o PT e aliados tanto criticaram e acabaram reproduzindo: escândalos e corrupção que ajudaram a eleger o “Mito”.

Hoje Bolsonaro, ultraconservador, coloca pela primeira vez e com força inegável em nossa história, um movimento constitutivo da ideologia ultraliberal da direita organicamente considerada. Muito mais legitimada que a desventura do integralismo ou fascismo brasileiro de Plínio Salgado e Miguel Reale. Uma façanha, por enquanto, a revelar um Brasil profundo.

Bolsonaro veio para ficar. Ganhe ou perca, o bolsonarismo fincou raízes e vai se projetar por todo o século XXI. Vargas não resta bem presente na nossa memória política há um século? Tomando para si as bandeiras antissistema  e contra a ordem, Bolsonaro tornou-se o novo contra o velho. Em contextos distintos, Lula representou a grande novidade sindical e partidária. Jair Bolsonaro soube aferir os estragos na esfera valorativa dos costumes, vendidos no “oba-oba” da “naturalização” da esquerda universitária. O identitarismo é conhecido em seus efeitos de fragmentação e divisões dilacerantes, alguns deles hoje bem conservadores.  Gostem ou não o transformismo, ou acordo Caracu de Lula em 2002  para chegar ao poder a qualquer custo, vendeu a alma –  e os glúteos –  aos bancos e ao que de pior havia no PMDB.

O PT e aliados não fazem mais movimento social. Acabou graças à “conquista do Estado” por quatorze anos. Deu no que deu… Tornou-se um PSOE piorado. Socialdemocracia sem indústria e sindicatos fortes (mas com nomenclatura sedenta por negociatas) abrindo as portas para um agronegócios (necessário mas sem preocupação alguma com a melhoria alimentar no país).

O Povo, essa categoria, mantra ou anti-mantra precisa ser respeitado. Reacionários? Os outros, sempre. Haja bode para o dia de Santos Reis (vale a pena ouvir Lobão cantando Tim Maia) . Por consequência da afirmação “o povo é reacionário” temos um Nós (?) Saneador, a cargo dos progressistas, a vanguarda na história. Não né. Para!

Quem são os reacionários que conduziram e vão continuar a conduzir a mais uma derrota?  Mesmo se vencer o governo transformista II já nasceu como um Franskstein tardio. Ou você acha que Lula retornará ao passado impunemente. Vai se agarrar ao modelo econômico Chinês e ao braço armado russo, no plano externo. Internamente vai se ajoelhar a um Centrão podre. Mas como a sociedade é dinâmica, oxalá que Lula possa migrar para um populismo participativo, reescrevendo a sua biografia nos termos de um paradigma socialdemocrata a renascer das cinzas de uma globalização perversa. Tudo é possível posta ser a grandeza do Brasil maior que a de suas elites.

O senso comum produz um Comum. Ser conservador não significa ser reacionário, tampouco burro, inferior, execrável. Há núcleos bons, com Gramsci, nessa visão de mundo. Já bastava a Marilena Chauí em conhecido surto irado contra a classe média, para ela um bloco monoliticamente reacionário (a dialética pode ser uma baioneta, mas não se deve sentar nelas). A generalização “o povo é reacionário”  amplia o leque classista dos reacionários. Agora os reacionários estão na base da pirâmide.

E o que falar do populismo delegativo? Ele não é só do Bolsonaro. Lula empurrou goela abaixo Dilma como candidatura em 2010 e desprezou discutir candidaturas senão a própria. Alkmin também foi um constrangimento inútil imposto pelo Guru. Temos na A.L. muitos exemplos, alguns venerados pela esquerda de direita, ou esquerda de algo que parece não existir na sociedade, de lideranças carismáticas nada democráticas.

Meu caro amigo, para a Revolução não faltar ao encontro com seus intelectuais tem que combinar antes com russos. Sobretudo, com os chineses. Armas e capital irmanados. A opção pragmática está dando certo lá no “capitalismo de estado”, sem democracia, ou com democracia sem Direitos. Aqui o ornitorrinco preside o zoológico, carnavalizando-o.

Sinuca de bico. Derrotar Bolsonaro é muito importante, embora ao custo da continuidade da traição – com seus efeitos desmobilizadores, a esse povo sofrido no qual há milhões de cansados de Messias de todas as cores.

Lula no poder significa também o tempo para o bolsonarismo se estruturar como Hydra. Se Lula for derrotado, os tempos sombrios do amanhã talvez permitam uma reflexão profunda pensando a democracia em outros formatos, questionando o presidencialismo e o bizarro presidencialismo de coalizão; a tendência populista delegativa e seu caráter autocrático; o mercado e a reindustrialização em patamares ecológicos equilibrados; enfim, uma esquerda de esquerda, democratizada, preparada para valorizar a cultura popular, nela mergulhar e dela extrair Beres para algo poder transformar, legitimamente.

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