quinta-feira, 13 de outubro de 2022

UMA PERSONAGEM RODRIGUIANA

Edna Lima, OS DIVERGENTES

Outro dia vi nas redes sociais de um amigo que somente quem leu Nelson Rodrigues consegue entender Damares Alves. Definição precisa. Aliás, o mundo político está cheio de personagens rodriguianos. A ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, eleita senadora pelo Distrito Federal, se encaixa bem no perfil das personagens descritos nas crônicas que compõe a coletânea de “A vida como ela é” publicada no extinto jornal “Última Hora”, no começo da década de 50.

Essa semana Damares conseguiu a proeza de dividir as atenções da mídia e das redes sociais com a  acirrada campanha presidencial do segundo turno. Durante pregação na Assembleia de Deus, em Goiânia (GO), no último domingo, a senadora eleita fez um relato dramático de crianças traficadas para o exterior e submetidas a mutilações corporais e a regimes alimentares absurdos sofrendo abusos sexuais, na ilha do Marajó.

O vídeo com a denúncia viralizou nas redes sociais. A pregação, que parece ter sido direcionada a apoiar a campanha do presidente Jair Bolsonaro à reeleição, virou um problema para a ex-ministra, que agora terá que se explicar. Afinal, como titular da pasta da Mulher, Família e Direitos Humanos, ela era a autoridade competente para determinar a apuração dos fatos e acompanhar essa apuração de perto. Deveria, no mínimo, ter acionado Ministério Público e a Polícia Federal.

A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público está pedindo explicações a Damares. O Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos disse que as falas foram baseadas em inquéritos, mas até agora não apresentou nenhum desses casos. Se verdadeiros, ela pode ser acusada de prevaricação.

A questão é que parece não ser verdade. A colunista Malu Gaspar, do Globo, disse que a Polícia Federal desconhece a denúncia. Admite que investiga muitos casos de pedofilia no estado, mas nada parecido com o que foi relatado durante o culto. Além disso, matéria do repórter André Duchiade, publicada pelo Jornal O Globo na última terça-feira, revela que narrativas semelhantes ao suposto crime descrito por Damares  apareceram, em 2010, publicadas no site 4chan, conhecido por seu conteúdo satírico e de violência extrema.

De acordo com a matéria, o próprio site alerta que “as histórias e informações aqui encontradas são obras artísticas de ficção e falsidade. Só um tolo tomaria qualquer coisa encontrada aqui como fato”. Se for mentira, a ex-ministra não apenas terá que se explicar às autoridades, mas já chega ao Senado desacreditada. Reduz muito seus planos de presidir a Casa, pelo menos no primeiro biênio.

O que assusta em pessoas como a Damares é que, apesar de ter sido eleita na esteira bolsonarista, ela, assim como seu ex-chefe, Magno Malta, eleito senador pelo Espírito Santo, fazem parte de uma outra força política que vem crescendo de forma exponencial no Brasil: os evangélicos neopentecostais.

A turma liderada por Edir Macedo, Malafaia & Cia Ltda., não mede esforços para chegar ao poder. Já apoiaram o PT em eleições anteriores – Macedo apoiou inclusive a reeleição da Dilma- e encontraram em Bolsonaro, graças à primeira-dama Michele Bolsonaro, espaço para crescer ainda mais e ampliar sua influência política.

Os evangélicos estão se tornando uma força política relevante, capaz de ajudar a eleger ou a derrubar qualquer candidato. Trabalham para construir um nome  em condições disputar a presidência da República nos próximos anos sem precisar se aliar a políticos fora das hostes evangélicas.

Damares é a prova disso. Embora tenha sido eleita como senadora de Bolsonaro, foi preterida pelo presidente pouco antes do início da campanha. O acordo fechado com o governador do DF, Ibaneis Rocha, e com o ex-governador José Roberto Arruda, previa eleger Flávia Arruda ao Senado deixando-a de fora da disputa ao Senado, podendo concorrer, no máximo, a uma vaga na Câmara dos Deputados.

Com apoio de Michelle e da Igreja, Damares insistiu na disputa e venceu com folga Flávia Arruda.

Todo mundo sabe que política e religião não devem se misturar. Os iranianos e outros povos mundo afora podem nos dar bons depoimentos sobre os resultados disso.

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