Equipe de transição terá como marca a disputa de projetos dentro dos mesmos grupos de trabalho, já de olho na ocupação de ministérios
A conjunção de pensamentos diversos, até divergentes, em torno da candidatura de Lula teve um caráter inédito que a História tratará de registrar e catalogar. Essa heterogeneidade, ainda mais notável no segundo turno, desembarca agora em Brasília e vai se traduzindo na composição de uma equipe de transição que terá como marca a disputa de projetos dentro dos mesmos grupos de trabalho. Isso pode tanto resultar numa riqueza maior de proposituras, se bem coordenado, como precipitar uma briga por poder e espaço — hipótese que na política brasileira sempre acaba prevalecendo, infelizmente.
Lula inicia hoje sua participação in loco, em Brasília, na montagem de seu terceiro mandato. Pelos nomes até aqui designados, devem coabitar antigos companheiros e aliados recém-chegados e até ontem improváveis, como o próprio vice, Geraldo Alckmin, e seu estafe, a presidenciável derrotada Simone Tebet e os pais do Real. Há lugar para todos e, antes disso, para que lado o timoneiro mandará que cada uma dessas alas reme?
A economia é o terreno mais minado e mais visado por quem observa de fora à espera de definições. Tanto nas decisões imediatas, como fazer caber no Orçamento as promessas de campanha, quanto na aguardada designação do ministro da Fazenda.
A partir da composição de um quarteto tão díspar quanto Persio Arida, André Lara Resende, Nelson Barbosa e Guilherme Mello, não é possível apostar em qual será a direção da política econômica de longo prazo. Persiste, a despeito da escolha de quatro técnicos de matizes teóricas distintas, a pressão do PT por um político à frente da pasta.
Essa ideia, a preferida do próprio Lula inicialmente, não agrada o mercado e seria um prato cheio para a pressão bolsonarista, uma variável que terá de ser levada sempre em conta pelo futuro governo. Se é verdade que um político poderia ter mais trânsito com o Congresso, diante da evidente necessidade de compor uma saída para o impasse do orçamento secreto, também é fato que um petista raiz no lugar de Paulo Guedes faria a desconfiança com Lula na largada crescer para além do recomendável num país dividido e tomado em parte pela histeria política instigada pelo bolsonarismo.
Haverá também, para além da economia, enorme pressão sobre Lula para atender as expectativas de representatividade criadas na jornada eleitoral. Se existe a promessa de uma pasta para os povos originários, o movimento negro também espera ter assento no primeiro escalão não com uma secretaria, mas com um ministério. E cobra maior presença nos grupos da transição.
A mesma demanda deverá vir dos partidos que integraram a coligação e dos que se juntaram no segundo turno ou podem vir a integrar a coalizão que garantirá maioria no Congresso. A escolha de Tebet já é considerada no MDB como da “cota pessoal” de Lula, pouco importando que o presidente eleito e a senadora tenham acabado de se conhecer.
Em muitas pastas há ministeriáveis com credenciais semelhantes, cujas siglas ou grupos receberam acenos do então candidato Lula de que seriam contemplados. Como se arbitra uma disputa entre um aliado do peso de Flávio Dino e um intelectual como Silvio Almeida para o Ministério da Justiça sem que haja descontentamentos sérios?
É diferente o desafio de Lula de 2002, quando muitos companheiros que fracassaram nas disputas estaduais foram premiados com ministérios. Mas há pelo menos duas situações desse tipo que terão de ser contempladas: Fernando Haddad, pela campanha exitosa, mesmo na derrota, em São Paulo, e os baianos Rui Costa e Jaques Wagner — mas até esse exemplo dá a medida da saia-justa, porque não há espaço para dois petistas da Bahia numa Esplanada já pequena para tanto aliado, das antigas e os recém-chegados.
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