sexta-feira, 4 de novembro de 2022

O CAPITÓLIO DO CAPITÃO

Gabriela Rölke, ISTOÉ

Bolsonaristas tentaram repetir no Brasil o que os trumpistas fizeram com a invasão do Capitólio

Movidos por teorias da conspiração, seguidores fieis a Bolsonaro interditaram as principais rodovias do País em atos ilegais e antidemocráticos e foram para a porta de quartéis pedir um golpe militar para impedir a posse de Lula: a democracia venceu

Novo governo

O presidente Jair Bolsonaro (PL) descerá a rampa do Palácio do Planalto pela última vez dentro de 60 dias, mas sua passagem pelo cargo vai demorar muito tempo para ser esquecida. Ele deixa como herança maldita para os brasileiros uma horda de adoradores que, sob o silêncio criminoso do capitão, desde a proclamação do resultado das eleições, tentou convulsionar o País com bloqueios de rodovias em protesto contra a derrota nas urnas. Pior, os bolsonaristas foram para a porta de quartéis em todo o País pedir um golpe militar para impedir a posse de Lula. Por sorte, os militares têm se portado com espírito democrático e respeito à Constituição, dando de ombros aos golpistas. Mas foi uma clara tentativa do Capitólio tupiniquim: a movimentação dos bolsonaristas seguiu a mesma lógica do que ocorreu nos Estados Unidos em janeiro de 2021, quando seguidores do então presidente Donald Trump se manifestaram contra o revés do líder da direita na eleição e invadiram o imponente prédio do Congresso americano, que abriga a Câmara dos Representantes e o Senado.

Tanto aqui como lá, são grupos de extrema-direita movidos por teorias da conspiração e falsas alegações de fraude no sistema eleitoral. É uma gente que não aceita o resultado das urnas e que tenta impor à força a própria vontade. Nos EUA, o saldo da sublevação popular foi de cinco mortos, dezenas de feridos e centenas de presos e investigados. Por aqui, os prejuízos ainda não foram contabilizados, mas os bloqueios das rodovias provocaram danos à economia e problemas de desabastecimento de combustíveis e alimentos básicos em algumas regiões do País. Nas manifestações nas portas dos quartéis houve centenas de pessoas fazendo gestos nazistas na cidade catarinense de São Miguel do Oeste.

RADICALISMO Bolsonaristas usam crianças como escudo humano em fechamento da rodovia Castelo Branco, em São Paulo (ao lado), enquanto manifestantes se reúnem na porta de um quartel no Rio de Janeiro na quarta-feira, 2, para pedir intervenção militar

A comparação dos atos no Brasil com os ocorridos nos EUA é inevitável, pois Trump sempre foi o ídolo de Bolsonaro. Em 2019, ao dar de cara com o homólogo americano na Assembleia Geral da ONU, o presidente brasileiro ficou tão maravilhado que disparou um “I love you” para o colega, que devolveu o cumprimento com um “nice to see you again” (bom te ver de novo). Por meio do filho 03, o deputado Eduardo Bolsonaro, a família presidencial se aconselha politicamente com Steve Bannon, ideólogo da extrema-direita que foi estrategista-chefe da Casa Branca durante o governo Trump e conselheiro do ex-presidente. A propósito, recentemente Bannon foi condenado a quatro meses de prisão por desacato ao comitê americano que investiga a invasão do Capitólio.

O Ministério Público Federal (MPF) do DF pediu à Polícia Federal (PF) a instauração de inquérito policial para apurar a conduta do diretor-geral da PRF, Silvinei Vasques, desde o dia das eleições. No domingo, durante o horário da votação, a PRF realizou centenas de operações contra veículos utilizados no transporte público de eleitores especialmente em estradas da região Nordeste, onde Lula historicamente tem a preferência do eleitorado. Posteriormente ao resultado das eleições, a PRF foi leniente com os bloqueios das rodovias que se multiplicaram pelo País. Dezenas de vídeos sobre as manifestações, de acordo com os procuradores que estão à frente do caso, mostram “não apenas a ausência de providências da PRF diante das ações ilegais dos manifestantes, mas até declarações de membros da corporação em apoio aos manifestantes, como se fosse essa orientação recebida dos órgãos superiores da instituição”. A PF encontrou indícios de que o movimento não foi espontâneo, mas que teria uma organização central e até mesmo financiadores.

Os protestos só começaram a arrefecer, com as estradas aos poucos sendo desbloqueadas, depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) deu aval para a atuação das polícias militares dos estados, inclusive em rodovias federais. Ameaçado de prisão por desobediência e multa de R$ 100 mil por hora, o diretor Silvinei também se mobilizou, e na quarta-feira a PRF divulgou que já havia aplicado R$ 18 milhões em multas e realizado 2 mil autuações. Bolsonaro também teve que voltar a dar o ar da graça em uma live divulgada em suas mídias sociais na quarta-feira, 2, para tentar demover os manifestantes, depois do discurso dúbio da terça-feira em que não desautorizou as manifestações contra a eleição de Lula. “Quero fazer um apelo: desobstruam as rodovias”, pediu um abatido presidente, que se disse tão triste quanto seus eleitores. “Por favor, não pensem mal de mim, o pedido é: liberem as rodovias. O fechamento das estradas prejudica o direito de ir e vir das pessoas. Está na Constituição”, disse. Deixou claro, no entanto, que ataques à democracia e a defesa de um golpe em frente a quartéis das Forças Armadas, como fizeram seus apoiadores no Feriado de Finados, “são muito bem-vindos”.

Bolsonaristas arruaceiros

É inegável que o bolsonarismo ficou maior do que o próprio Bolsonaro. Mas é dele a responsabilidade pela criação da cultura de desobediência e de desrespeito às instituições democráticas. É uma gente completamente descolada de valores civilizatórios, que acha normal levar crianças como escudo humano a piquetes para a interdição de rodovias, como aconteceu na Castelo Branco, em São Paulo, transformada em um grande palco de uma manifestação ilegal e que só foi dissolvida três dias depois pelo Batalhão de Choque da PM paulista. O caos vivido em várias estradas do País por mais 72 horas deve ser creditado totalmente a Bolsonaro e à sua PRF, que foram negligentes e coniventes com os bolsonaristas arruaceiros.

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