O presidente Jair Bolsonaro chega ao final do mandato como o grande responsável pelo clima de tensão e desordem que se instalou em Brasília desde o resultado das eleições. Agora, às vésperas da posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, os brasileiros assistem ao ápice dessa bagunça alimentada pelo mesmo governo que prometeu ao País “a lei e a ordem”.
Tão absurdo tem sido o desenrolar dos acontecimentos na capital federal – mas não apenas lá – que a Polícia Federal (PF) recomendou que Lula não desfile no Rolls-Royce presidencial no dia da posse, como é tradição há 70 anos, por risco de atentado contra a sua vida.
Não se sabe se Lula acatará a recomendação. O automóvel não só é um símbolo da autoridade do chefe de Estado e de governo, como, em alguma medida, é uma das representações da própria República no imaginário da Nação. Mas o temor dos agentes da PF responsáveis pela segurança do presidente eleito não é infundado. Existem indícios, por exemplo, de que há pessoas armadas no acampamento golpista em frente ao Quartel-General do Exército. Não existe liberdade de se manifestar armado.
Além disso, como se não bastasse, na véspera do Natal um seguidor bolsonarista tentou explodir uma bomba sob um caminhão de querosene de aviação nos arredores do Aeroporto Internacional de Brasília. O objetivo de George Washington de Oliveira Sousa, gerente de um posto de combustíveis no interior do Pará, era “criar o caos” na capital federal para que Bolsonaro decretasse “estado de sítio” e as Forças Armadas, por sua vez, interviessem para impedir a posse de Lula. Em depoimento à Polícia Civil do Distrito Federal, o bolsonarista afirmou que agiu “inspirado” por palavras do presidente. Em novo depoimento, retirou a menção a Bolsonaro.
É lamentável que haja pessoas dispostas a urdir uma trama golpista e rocambolesca desse naipe. De toda forma, trata-se da expressão fidedigna de um governo conduzido durante quatro anos sob o signo de Tânatos, o deus da morte na mitologia grega, como já destacamos nesta página.
Até perder a eleição, Bolsonaro agiu pela destruição pura e simples – destruição dos avanços civilizatórios trazidos pela Constituição de 1988, das instituições republicanas, da moralidade pública, da tradição diplomática do País, de políticas públicas bem-sucedidas, de adversários políticos. Agora, derrotado nas urnas, omite-se com o mesmo desiderato. Seu silêncio e suas meias palavras soam como autorização para que seguidores mais radicalizados cometam sandices criminosas e antidemocráticas.
Convém lembrar às autoridades, aí incluídas o senhor presidente da República e o ministro da Justiça, Anderson Torres, que elas, enquanto estiverem em seus cargos públicos, têm o dever de garantir a ordem jurídica e a paz social no País. Eventuais omissões e cumplicidades podem gerar graves responsabilidades penais. No caso de Jair Bolsonaro, existem obrigações constitucionais bem precisas, que valem até o último minuto do mandato.
Diante da baderna promovida por seus apoiadores, Jair Bolsonaro não é assistido pelo direito ao silêncio e à inação. Anderson Torres, por sua vez, diminui o cargo quando, diante de tão sérias ameaças, se limita a dizer que o Ministério da Justiça está “acompanhando” as investigações da Polícia Civil do Distrito Federal. Eis o final do governo que prometia “a lei e a ordem”: com bagunças e desordens até então inéditas no atual regime constitucional. Vista em Brasília e em outras cidades, a insurgência de bolsonaristas contra o resultado da eleição ocorre sob o beneplácito de autoridades que, tendo o dever de zelar pela Constituição e pela paz, responderão por tão perigosa passividade.
Reafirmando a Constituição e a vontade popular, o presidente eleito tomará posse no dia 1.º de janeiro. Mas isso não significa que o País esteja livre das ameaças dos arruaceiros que não se conformam com o resultado da eleição. Se lhes faltam razão e civismo, que sobre eles recaia todo o peso da lei. É assim que a democracia se defende.
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