Qual é o pomo da discórdia dos setores não bolsonaristas que insistem em permanecer na oposição? A política econômica de Lula, que não prevê um choque fiscal
A senadora Simone Tebet, que disputou a Presidência pelo MDB e, no segundo turno, se engajou na campanha do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, cumprindo um papel fundamental para sua eleição, aceitou participar do governo de coalizão, como ministra do Planejamento. O MDB estará contemplado ainda com mais dois ministérios, o das Cidades e o do Turismo, muito provavelmente. Com isso Lula, montou um governo de centro-esquerda, que contará, também, com a participação formal do PSD, do União Brasil, do Solidariedade e do Podemos. A incógnita é a participação do Cidadania, já que o PSDB, com quem está federado, anunciou que fará oposição ao novo governo.
A pressão para que Simone não aceitasse participar do governo foi enorme, somando-se à própria frustração da senadora por não ter assumido o Ministério do Desenvolvimento Social, como desejava. A pasta foi destinada ao senador Wellington Dias (PT), que governou o Piauí por quatro mandatos, estado no qual Lula teve a sua maior votação, proporcionalmente. Setores da oposição que votaram em Simone e muitos que apoiaram Bolsonaro no segundo turno passaram a fazer a leitura de que Lula montou um governo de esquerda, puro-sangue, sob o hegemonismo do PT. A hegemonia petista no governo é uma coisa mais ou menos óbvia, até porque foi Lula que venceu as eleições. O hegemonismo é outra coisa: a canibalização dos aliados, na medida em que a correlação de forças é favorável para isso, como aconteceu nos países do Leste Europeu após a Segunda Guerra Mundial.
De certa forma, Lula contribuiu para essa leitura. Empoderou a área meio com ministros de sua confiança — Rui Costa na Casa Civil, Flávio Dino na Justiça, Fernando Haddad na Fazenda, José Múcio Monteiro na Defesa e o chanceler Mauro Vieira —, e entregou para a esquerda as políticas sociais e as pastas ligadas aos direitos humanos para os movimentos identitários. Somente nesta semana começou, de fato, a ampliação da equipe em direção ao centro, para dar à coalizão de governo o caráter da verdadeira frente ampla que o elegeu no segundo turno.
Pelo andar da carruagem, ao contemplar o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que indicarão aliados para os ministérios de Minas e Energia e Integração Nacional, Lula terá sua governabilidade garantida. A capacidade de governança já estava assegurada pela qualidade técnica e experiência política da maioria dos ministros dessas áreas.
Qual é o pomo da discórdia dos setores não bolsonaristas que insistem em permanecer na oposição? A política econômica de Lula, que não prevê um choque fiscal e tem viés desenvolvimentista. Esses setores também se beneficiaram com a política de Paulo Guedes, o ministro da Economia de Bolsonaro, e não veem com bons olhos a narrativa de Lula de que os pobres vão ter renda e os ricos pagarão mais impostos. Em parte, com razão, porque a mudança de perfil da distribuição de renda no Brasil somente é possível com a retomada do crescimento. Sem isso, o conflito distributivo continuará dividindo o país: a grande massa da população de baixa renda que elegeu Lula, de um lado, e a maioria da classe média e da elite economica, que apoiou a reeleição de Bolsonaro, de outro.
Contaminação
Essa visão, de certa forma, contaminou setores da oposição que fazem uma leitura economicista do governo e insistem na construção de uma terceira via supostamente progressista, indiferentes à centralidade da questão democrática, que continua na ordem do dia. A propósito, a semana está sendo muita tensa por causa das manifestações de extrema direita que pedem uma intervenção militar e uma tentativa de atentado terrorista em Brasília.
O atual comandante do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, antecipou a saída do comando da Força Terrestre para sexta-feira. Segundo o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, o general Júlio Cesar de Arruda assumirá o cargo no dia 30, às 10h30. Em última instância, será o responsável pela segurança na posse de Lula, caso as forças policiais do Distrito Federal, a Polícia Federal e a Guarda Presidencial não consigam conter os manifestantes bolsonaristas.
A troca de comando na Aeronáutica será na próxima segunda-feira. O tenente-brigadeiro do Ar Marcelo Kanitz Damasceno vai assumir o posto do brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, aliado de Bolsonaro. A troca de comando da Marinha ainda não foi marcada. O almirante de Esquadra Marcos Sampaio Olsen deverá assumir o cargo, no lugar do almirante Almir Garnier Santos, outro insatisfeito com a vitória de Lula. Já o comandante do Estado-Maior das Forças Armadas será o almirante de Esquadra Renato Rodrigues de Aguiar Freire.
Nos bastidores da troca de comandos das Forças Armadas, que seguiu o critério de antiguidade, Lula se reuniu com os ex-comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica de seu governo anterior. Eles estão atuando na transição para neutralizar a influência de Bolsonaro junto aos oficiais generais da ativa. Embora deixe o posto antecipadamente, o atual comandante do Exército, general Freire Gomes, fez uma saudação de Natal aos subordinados na qual reiterou o compromisso da Força com a hierarquia e a disciplina.
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