Em 12 de abril de 1961, o major da Força Aérea soviética Yuri Gagarin, de 27 anos, entrou a bordo de uma cápsula de 2,3 metros – batizada de Vostok 1 – e, em um voo de uma hora e 48 minutos, deu uma volta ao redor do planeta. “Vejo a Terra. Ela é azul”, disse Gagarin, via rádio, ao comando russo em terra.
O fato caiu como uma bomba nos EUA, que já haviam sofrido um abalo geopolítico com o lançamento do satélite Sputnik em 1957, pelos mesmos soviéticos, em plena guerra fria.
A reação americana foi o lançamento do Programa Apollo, capitaneado pela NASA e movimentando todas as forças possíveis, públicas e privadas. Em um famoso discurso de 25 de maio de 1961, John F. Kennedy lançou o desafio de, antes de a década terminar, “enviar homens à Lua e retorná-los a salvo”.
Esse exemplo é usado pela economista italiana, baseada em Londres, Mariana Mazzucato, no seu último livro, “Missão economia: Um guia inovador para mudar o capitalismo”,
para lançar a ideia de uma economia orientada por missões com grandes projetos transformadores liderados pelo estado.
No Brasil não temos a pretensão de enviar homem à Lua (já temos lunáticos suficientes por aqui), mas temos sérios problemas sociais que poderiam adotar essa abordagem de missões mobilizadoras de toda a sociedade. Pode ser acabar com o vergonhoso analfabetismo que ainda persiste em parcela do povo, como propõe o ex-Ministro Cristovam Buarque; pode ser acabar com a miséria absoluta no país; pode ser acabar com o déficit habitacional, o desmatamento na Amazônia ou colocar o país em um nível civilizado de segurança. Não faltam temas para missões com efeitos transformadores no país.
Está em andamento no país algo com essa dimensão de missão, com profundo impacto social. O marco legal do saneamento (Lei nº 11.445/2007, com a nova redação trazida pela Lei nº 14.026/2020) estabelece metas de atendimento de 99% da população com água potável e 90% com coleta e tratamento de esgotos até 2033.
Entre cerca de 130 países, o Brasil está na 85.ª posição na oferta de água potável e na 76.ª posição em esgoto tratado. São cerca de 35 milhões de brasileiros sem água e 100 milhões sem esgoto, onde o Brasil está atrás de países em desenvolvimento como Jordânia, Turquia, Butão ou Senegal, e dos vizinhos Chile, Peru, Paraguai e Bolívia.
A abertura para a participação da iniciativa privada foi fundamental. Em apenas dois anos do marco, já foram realizados 21 leilões de concessões no setor, com investimentos da ordem de R$ 82,6 bilhões. Os leilões esperados para 2023 devem gerar R$ 24,4 bilhões em investimentos (a média foi de 12,5 bilhões de reais por ano entre 2015 e 2019). Até 2033, deverão ser investidos 600 bilhões de reais no setor, com 408 bilhões na construção civil (ótima oportunidade para um setor grande gerador de empregos).
As consequências de uma missão como essa são de profundo impacto social com múltiplas externalidades. A Aegea, maior empresa privada do setor, em projeto conjunto com a Petrobras, vai oferecer água de reuso para refinarias, evitando que um grande consumidor industrial dispute recursos hídricos com a população. Projeto semelhante desenvolvem a Cesan e a ArcelorMittal Tubarão no Espírito Santo. A água de reuso pode ser aquela que passou por uma estação de tratamento de esgoto, por exemplo, não podendo ser consumida pela população, mas com enorme potencial de ser utilizada em diversos processos industriais.
A recuperação de lagoas e baías como a Baía de Vitória ou da Baía da Guanabara, a balneabilidade das praias, os programas de educação ambiental ou a contenção de ocupações irregulares têm profundo impacto no turismo, na saúde e na redução de desastres com perdas de vidas.
Os temas envolvem tanto a iniciativa privada como os governos, como preconiza Mazzucato. A ANA-Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico, os governos federal, estaduais e municipais, as estatais de saneamento, as grandes empresas estatais e privadas, todos têm uma parcela de trabalho nessa grande missão que não é colocar um homem na Lua, mas colocar as pessoas em um ambiente digno e saudável, bonito visto de longe e de perto.
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