Lula busca pontos de atrito com o BC enquanto questões como o ajuste das contas públicas seguem minimizadas
No artigo anterior que escrevi para esta coluna, tratei dos sérios desafios que esperavam Lula no início do seu terceiro mandato presidencial. Mencionei especialmente que o maior desafio para Lula seria o de abandonar as ideias preconcebidas que, ao final, levaram à debacle da gestão Dilma e à grande recessão de 2015/2016. Infelizmente, parece que o pior está se confirmando, com o presidente recém empossado insistindo em ideias e teses equivocadas que já foram testadas aqui e em outros países com resultados desastrosos.
De todos os desatinos que se pode atribuir a Lula, já nas primeiras semanas do seu mandato, o mais significativo e perigoso foi seu ataque gratuito à independência do Banco Central e à maneira pela qual a política monetária vem sendo conduzida até aqui. Frases tolas ditas por Lula em entrevista à Globonews, como “Por que o banco é independente e a inflação está do jeito que está e o juro está do jeito que está?”, mostram não apenas ignorância profunda em relação aos mecanismos da política monetária, como também alheamento dos problemas conjunturais da economia.
A reação imediata dos mercados à fala de Lula - alta dos juros e do câmbio - antecipa aquilo que pareceria óbvio a qualquer economista. Ataques ao BC e ameaças a sua independência acarretam subida dos juros e maiores dificuldades no combate à inflação, justamente o contrário do que poderia estar pretendendo o presidente com suas críticas à autoridade monetária. A coisa é tão óbvia que alguém poderia até acreditar que as palavras de Lula esconderiam uma intenção deliberada de desviar o foco de problemas mais sérios na economia - com o ajuste das contas públicas - para os quais o governo não tem (ou não quer ter) respostas adequadas.
Como resultado das críticas de Lula à independência do BC e às atuais metas de inflação - que, aliás, se somam a palavras no mesmo sentido ditas pelo ministro Haddad algumas semanas atrás - é de se esperar que as pressões sobre o BC se intensifiquem daqui para frente, tendo em vista a necessidade de se perseverar com a política monetária contracionista por mais alguns meses, com vistas a fazer com que a inflação convirja para a meta fixada pelo CMN. Com isso, cria-se gratuitamente uma fonte relevante de risco e instabilidade para a economia e para os ativos brasileiros.
Vale insistir que uma política monetária independente é ferramenta essencial para a manutenção da estabilidade macroeconômica, especialmente em um momento de maiores preocupações em torno de um viés mais expansionista da política fiscal para os próximos anos. A capacidade de reação do BC, sem interferências externas, a uma eventual piora do cenário inflacionário prospectivo, é condição necessária para impedir a deterioração contínua de expectativas de inflação e evitar um maior grau de inércia da inflação.
Certamente, a reversão da autonomia formal do BC pelo Congresso Nacional parece improvável, tendo em vista a atual correlação de forças no Legislativo e poderia ter um custo político muito elevado para Lula. Não obstante, vale lembrar que a decisão sobre a meta de inflação cabe ao CMN, no qual dois de seus três integrantes - os ministros da Fazenda e do Planejamento - são diretamente vinculados ao presidente da República. Se o CMN decidir - fugindo da regra atual de fixação da meta para dois anos à frente - majorar as metas já estabelecidas para 2024 e 2025, os efeitos seriam igualmente perversos e contrários às intenções do governo, pois implicariam a revisão para cima das expectativas de inflação que, aliás, já se encontram no momento acima da meta de 3%, segundo a pesquisa Focus. Tal revisão das expectativas não seria neutra sobre a inflação nos próximos meses, podendo se constituir em fator adicional de pressão na execução da política monetária.
Adicionalmente, com relação à autonomia do Banco Central, teme-se que a substituição do diretor de política monetária da Instituição, Bruno Serra, prevista para o final de fevereiro, dê espaço para a indicação pelo Executivo de um nome alinhado a visões econômicas heterodoxas, de modo a se sobrepor às preferências do presidente da instituição, o que igualmente seria recebida de forma negativa pelos mercados.
Outra questão que atinge potencialmente a autonomia o BC é a iniciativa de criação de uma moeda única no Mercosul ou de uma moeda para liquidação de transações bilaterais entre Brasil e Argentina. Além de se tratar de um disparate sem tamanho, a ausência do Banco Central da discussão sobre o tema parece indicar que houve intenção deliberada de deixar o BC à margem de um assunto que potencialmente afeta as políticas monetária e cambial.
Enquanto o presidente da República busca pontos de atrito com o BC, questões prementes na esfera macroeconômica, como o ajuste estrutural das contas públicas, seguem minimizadas por Lula que deliberadamente confunde responsabilidade fiscal com ausência de politicas sociais. Tais equívocos presidenciais, se persistirem, podem cobrar um preço alto à sociedade brasileira, principalmente pela geração de um ambiente de expectativas desfavorável à queda dos juros e da inflação.
*Gustavo Loyola, doutor em Economia pela EPGE/FGV, foi presidente do Banco Central, é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo
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