Quem perde e quem ganha com a alteração regimental da corte?
A dinâmica institucional futura no país dependerá do que vai acontecer com o recente protagonismo hiperbólico do STF. A decisão do ministro Gilmar Mendes autorizando gasto para o Bolsa Família fora do teto constitucional introduziu novo padrão de intervenção da corte na área fiscal, jogando por terra boas práticas em torno de regras fiscais e "hard-budget constraints".
Foi uma liminar, mas seus efeitos sobre o jogo político são claros. Há muitas decisões similares fora da seara fiscal protagonizadas pelo ministro Alexandre de Moraes. Na mesma semana, o STF anunciou mudanças substantivas no seu regimento interno, às vésperas da investidura do novo presidente.
O contexto é marcado por intensa e inédita politização da corte, o que afetou sua reputação; sua rejeição na opinião pública é inédita: 78% dos entrevistados dizem que confiam pouco ou que não confiam no STF.
A alteração regimental mira o ativismo processual individual de juízes. As regras formais e informais vigentes têm dado guarida ao ativismo individual disruptivo. Com a alteração, os pedidos de vista deverão ser devolvidos em até 90 dias, sob pena de o julgamento continuar, e o plenário ou as turmas deverão avaliar medidas cautelares monocráticas —interrupção de alguma política governamental, prisão, afastamentos do cargo, etc.— se elas envolvem questões de preservação de direitos.
Os poderes delegados em 1988 ao STF foram vastos: "Poucos textos constitucionais terão confiado tanto no Poder Judiciário e nele, de modo singular, no STF", afirmou com razão Sepúlveda Pertence, ex-presidente da corte e então procurador-geral da República, quando da promulgação da Carta.
Tais poderes expandiram-se ainda mais, sob FHC, com apoio do Poder Executivo, o que culminou com a nova prerrogativa da corte "modular" decisões (lei 6.898/99). O Legislativo também expandiu paulatinamente seus poderes, limitando a emissão pelo presidente de MPs e tornando as emendas individuais e de bancada impositivas.
Com Bolsonaro, o STF deparou-se com um trilema existencial: apoiar a Lava Jato, conter o presidente ou ambas as alternativas. O STF escolheu a segunda, rompendo a aliança STF-Executivo, compondo estrategicamente com o Legislativo.
Como se comportará o STF sem Bolsonaro? O assunto terá uma análise específica. A alteração regimental é consequência da era Bolsonaro. Ela reduzirá a incerteza das decisões individuais e reafirma o poder da maioria na corte. Sua reputação sairá fortalecida. Quem perde com elas? Todos os ministros perdem o poder unilateral de veto, mas as perdas irão se concentrar nos ministros minoritários associados à oposição ao novo governo.
*Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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