A França percebeu que a vitória alemã não se explicava apenas em termos bélicos, mas também pela escolaridade.
Quase não escrevo sobre educação. Preciso opinar de vez em quando sobre problemas específicos, como a reforma do ensino médio. Para isso, me valho de referências como Simon Schwartzman, Cristovam Buarque e Ricardo Henriques. Mas o tema é tão fascinante que às vezes me faço algumas perguntas, releio alguns livros como este de George Steiner: “Lições dos mestres”.
Foi nesse trabalho tão erudito que encontrei um trecho que me fez lembrar o Brasil. Fala da humilhação da França depois da derrota militar de 1870-71. De repente, o país percebeu que a vitória alemã não se explicava apenas em termos bélicos, mas também pela escolaridade sistemática e de ideias tanto científicas como humanísticas. O Gymnasium alemão, as universidades depois das reformas de Humboldt, os padrões de qualidade das pesquisas e publicações eruditas criaram uma situação que deixava exposto o amadorismo descuidado dos costumes franceses.
O fracasso militar inspirou a França a iniciar um processo diferente, em que a educação tinha um peso primordial. Tão importante que, algumas décadas depois, a França era um país de professores, todo mundo estava estudando ou às vésperas de prestar um exame.
A guerra é um preço muito alto para essa tomada de consciência nacional. Será que existe outro caminho, um atalho? Modernamente, países como Finlândia, Coreia do Sul e mesmo Hong Kong e Cingapura conseguiram dar um salto.
Pensava exatamente nessas coisas quando me interessei pela reforma do ensino médio. Sinto que ela é discutida apenas entre os envolvidos diretos. Mas deveria ser um debate nacional. O que tem de bom? Até que ponto é ambiciosa e se enquadra na expectativa de uma educação para o futuro, conforme as expectativas da Unesco?
O livro de Steiner me ajudou a perguntar. Mas ele é voltado para a relação mestre-discípulo e, por meio dele, aprendemos a compreender a importância do mestre na escola, na religião, na arte, na filosofia. Steiner, além de escrever livros importantes, é um mestre tão vocacionado que acha estranho que seja pago para trabalhar. Depois do despertar da França, alguns dos seus mestres, como Alain (pseudônimo do professor Émile-Auguste Chartier), transformaram-se em orgulho nacional.
Não sei em que lugar o papel do professor, sua formação e sua importância simbólica são colocados. Ao mencionar a prioridade de investir nessa formação, sinto-me repetindo algo bastante antigo. Ao lançar o Reform Act, de Lord Sherbrooke, em 1867, o projeto britânico foi exatamente popularizado com a expressão: “precisamos educar os educadores”.
Um longo debate sobre o ensino médio certamente passará também por isso. A educação para os dias de hoje pede renovação de conhecimentos. Mas também, como em todas as épocas, pede respeito por quem gasta seu presente para garantir o futuro dos discípulos, quem tem precisamente o sonho de ser refutado e superado pelas novas gerações de alunos. O bom mestre, segundo Steiner, educa para a divergência, para a autonomia.
Por falar nos mestres do passado, mencionados por Steiner, imagino que não aceitariam o uso de exemplos de outros países para falar de ensino no Brasil. O rabino Zusya de Hanipol, num tom pré-nietzschiano, costumava dizer:
— Na outra vida não me perguntarão: “Por que você não foi Moisés?”. Eles perguntarão: “Por que você não foi Zusya?”. Transforme-se no que você é.
Transformar-se no que é significa explorar as próprias possibilidades, achar seu caminho. O ideal era usar a reforma do ensino médio não para voltar atrás, mas para dar um salto adiante em termos de igualdade social, em sintonia com os novos tempos.
O grande mestre francês Alain foi convidado e recusou ser professor na Sorbonne, argumentando que o ensino médio era mais importante do que qualquer outro. Merecia ser ouvido no Brasil de hoje.
Artigo publicado no jornal O Globo em 17/04/2023
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