São crimes banais, de gente baixa, vulgares, mas muito graves, não apenas na visão criminal, mas até mesmo simbolicamente
Embora as trapalhadas sugiram o enredo de uma chanchada da Atlântida — nosso estúdio cinematográfico mais famoso nos anos 40 e 50 do século passado—, não se trata de uma comédia rocambolesca, mas de uma tragédia brasileira. Contada, ninguém acreditaria. Temos exemplos por vários países da América Latina de presidentes, civis e militares, envolvidos em tráfico de drogas. Temos presidentes envolvidos em corrupção de toda espécie. Agora, áudios e mensagens de celulares comprovam tudo, desvendam uma operação tão rastaquera quanto os que dela participaram.
Rudes, sem sutileza, descem ao submundo do crime para obter vantagens, desde rachadinhas até a tentativa de reter joias das Arábias. Supostamente, ficar com o colar avaliado em R$ 16 milhões implicaria vender as pedras preciosas em mercado clandestino. A falsificação do certificado de vacinação contra Covid-19 em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, levou a contatos com um militar que se gaba, em conversa com o tenente-coronel Mauro Cid, de saber quem matou Marielle.
Cid só não queria que o ex-vereador Marcello Siciliano fosse acionado porque “não é aquele envolvido no caso Marielle?”. O intermediário de contato tão estreito com milicianos garante que Siciliano não tem nada a ver com o crime, embora tenha sido dos primeiros investigados. Bastou para tranquilizar Cid, que não se incomodou, nem se impressionou, de estar conversando com alguém que garante saber o que todo mundo quer saber: “Quem matou Marielle?”.
Esse militar, pasmem, foi nomeado comandante de um batalhão estratégico em Goiânia. Ainda bem que foi impedido de tomar posse do comando, justamente por ser suspeito de ter participado de diversas atividades ilegais para proteger Bolsonaro. Quer dizer, numa operação tabajara, há envolvimento pressuposto com milicianos e mercado clandestino de pedras preciosas. São detalhes exóticos, até risíveis, de um governo tóxico. Até o computador da sala do presidente da República foi identificado como tendo sido usado na falsificação dos dados no ConecteSUS, sistema digital fundamental para o Ministério da Saúde acompanhar a vacinação contra a Covid-19 em todo o país. Quantos certificados falsos foram fabricados por essa quadrilha?
Não se pode esquecer que, por trás dessa história absurda, está a criminosa atuação de Bolsonaro como presidente da República, culpado por milhares de mortes ao desincentivar a vacinação pública contra a Covid-19 e ao acusar as vacinas de provocarem efeitos colaterais graves. Para entrar nos Estados Unidos, Bolsonaro mandou falsificar certificados de vacina para si, assessores pessoais, até para sua filha menor. Uma história mambembe para fugir do país antes do final de seu mandato, com receio de ser preso.
Cometeu vários outros crimes. A ação da Polícia Federal ontem na casa de Bolsonaro mostra bem quem eram as figuras no comando do país. Uma ligação de promiscuidade com ilegalidade. Tudo muito vulgar, crimes banais, de gente baixa, mas muito graves, não apenas na visão criminal, mas até mesmo simbolicamente.
Como pode um presidente da República falsificar documento para entrar noutro país? Impressiona também como os militares se deixaram levar por ele. Nesse triste episódio, vários militares, de diversas patentes, até mesmo um tenente-coronel, estão envolvidos. Como sempre faz, Bolsonaro quer tirar o corpo fora e insinua que, se houve fraude, não foi por parte dele, deixando seu protegido, o ex-ajudante de ordens Mauro Cid, pendurado na brocha.
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