quinta-feira, 31 de agosto de 2023

CAMINHO PARA O DÉFICIT ZERO

Míriam Leitão, O Globo

A equipe econômica promete que irá perseguir a meta neutra do mesmo jeito que o BC busca a meta de inflação

O Orçamento chegará hoje ao Congresso com o déficit zero, inúmeros debates e críticas. O mercado desconfia, parte do PT discorda, a oposição coloca obstáculos. Mas o que se diz na área econômica é que este é um compromisso real que será perseguido com a mesma tenacidade com que o Banco Central persegue a meta de inflação. “Não há criatividade aqui, todas as previsões de receitas são reais, todos os números são técnicos. Não estamos fazendo suposição, não tem nada sendo inflado aqui”, afirma uma fonte da área econômica. A ideia de flexibilizar a meta não tem qualquer aceitação no Ministério da Fazenda.

O Orçamento chega com R$ 170 bilhões de receita nova, a maioria de projetos ainda não aprovados no Congresso. Na conversa com técnicos do governo, eles explicam ponto a ponto. Dividem as fontes dessa nova receita em três tipos. A primeira seria “recomposição da base fiscal com correção das distorções”. Nessa conta entra o Carf, que foi aprovado ontem. O estoque de litígio nesse conselho é de R$ 1,1 trilhão.

— Tradicionalmente, numa conta conservadora, 10% se reverte em arrecadação da União. Então, a gente está fazendo um ajuste nesse padrão para algo em torno de 5%. Com o Carf voltando a ser funcional, calculamos R$ 54,7 bilhões em 2024 — me explicou um técnico.

Neste grupo está também o caso dos benefícios do ICMS sendo estendidos a impostos federais, que erodiu a base de cálculo do IRPJ e da CSLL. O governo já ganhou o debate no Supremo e essa base será recomposta. A correção do problema permitirá arrecadar R$ 3,5 bilhões a mais no ano que vem.

O segundo bloco de medidas é o que eles chamam no governo de “isonomia tributária e enfrentamento de abuso”. Basicamente é cobrar mais impostos dos mais ricos. Aqui entra a taxação dos fundos exclusivos. Atinge 50 mil CPFs com um patrimônio de centenas de bilhões investidos em fundos fechados que não pagam imposto da mesma forma que os fundos abertos, os da classe média. Nesse caso houve muito diálogo entre a área econômica do governo e os bancos e investidores.

— Não estamos copiando a Venezuela, estamos adotando o mesmo modelo dos Estados Unidos e da Europa. E isso foi conversado com a Faria Lima, eles entendem a nossa agenda, a gente não foi negociar para ceder, mas para que eles entendessem. É para dar o mesmo tratamento — disse um dos economistas do governo.

A dos fundos fechados permitirá uma arrecadação, no cálculo do governo, de R$ 13,3 bilhões em 2024 porque haverá taxação sobre o estoque e sobre o fluxo. O imposto vai recair sobre os rendimentos a cada seis meses, e sobre o total acumulado. O imposto sobre os fundos offshore é muito parecido, mas o tratamento será diferente. Haverá um aumento da alíquota dependendo do tamanho do investimento porque o governo quer que esse capital volte a ser aplicado no Brasil, e não em paraíso fiscal. Quando maior o ganho de rendimento maior a tributação. Nesses fundos offshore, eles acham que arrecadam R$ 7,2 bilhões no próximo ano.

Há também ainda uma medida que vai hoje junto com o Orçamento: o fim da dedutibilidade dos juros sobre capital próprio. A empresa antes deduzia do imposto a pagar os juros que pagava ao acionista que investisse capital na empresa. O que se diz na Fazenda é que sobre os impostos dos fundos exclusivos e dos offshore o debate já amadureceu. Sobre o fim do JCP, ainda há controvérsia. Há casos de empresas que abusam desse expediente para reduzir o IRPJ e há casos de instituições financeiras que precisam ter um elevado capital para cumprir os requisitos de Basileia. Por isso, o tema irá por projeto de lei, sem urgência. A previsão aqui é de receita de R$ 10 bilhões.

O terceiro bloco de medidas será para resolver o imenso contencioso tributário que existe. Não é o do Carf, nem será Refis. Será aberta uma frente de transações com os contribuintes para a solução de litígios. É impressionante o total de contencioso em debate com a Receita ou com a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional. São quase R$ 2 trilhões. O que se diz na Fazenda é que é preciso encontrar maneira mais eficiente de solução dessas controvérsias. Nesse conjunto, a previsão é de R$ 43 bilhões de receita nova no ano que vem.

O que se conclui de conversas técnicas na área econômica é que, pelo menos, tudo foi analisado detalhada e concretamente. Com base nisso estão convencidos de que é possível chegar ao déficit zero.

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