sábado, 30 de setembro de 2023

A ORDEM DOS FATORES

Editorial Folha de S. Paulo

Diálogo do governo com BC é positivo, mas alcance da queda do juro depende do 1º

É positivo que tanto o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, como o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, falem em harmonia na política econômica. Foi assim que se manifestaram por ocasião da reunião que tiveram com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na quarta-feira (28).

O BC vem alertando para o risco de descumprimento das metas fiscais, em especial do intento improvável de zerar o déficit orçamentário do governo federal em 2024. Qualquer deslize nessa frente poderá pressionar a inflação e limitar o espaço para a queda da taxa Selic, hoje em 12,75% ao ano.

A autoridade monetária e o próprio Campos Neto foram alvo de repetidos ataques de Lula, que questionou o nível dos juros e a meta de inflação, felizmente mantida em 3% para os próximos três anos. Desde a posse, o petista ainda não havia concedido audiência ao chefe do BC. A disposição ao diálogo agora pode abrir novos caminhos.

Haddad, por seu turno, vê-se isolado no governo na defesa do déficit zero. Interessa mostrar unidade com o BC para convencer o Palácio do Planalto de que não há espaço para flertes com a irresponsabilidade fiscal. Como sempre, gastar mais é o que querem o PT e a ala política do Executivo.

Com a união das duas autoridades da área econômica em defesa da preservação das metas fiscais, é mais provável que o presidente se disponha a apoiá-las, ao menos por ora. Para tanto, ajuda que a economia continue a mostrar vigor e que a popularidade do governo se mantenha satisfatória.

Cumpre explorar, no entanto, o que querem dizer Campos e Haddad quando falam em harmonia. Apesar das juras de alinhamento, o equilíbrio entre ambos é precário.

A lógica da Fazenda até aqui foi a de sancionar as prioridades de gasto do governo e buscar fechar as contas por meio de significativo e improvável aumento da arrecadação. Haddad indica desejar que o BC se mostre flexível e conceda o benefício da dúvida, aliviando os juros com base na meta fiscal.

Já Campos não quer antagonizar o governo, no que acerta. Mas há limites para o que o BC pode fazer. Qualquer afrouxamento em desalinho com a mecânica do sistema de metas de inflação poderia impactar os juros de longo prazo e a taxa de câmbio, o que levaria a efeito oposto ao que se busca.

Na ótica da política monetária, harmonia implica que a gestão das finanças públicas faça a sua parte, preferivelmente por meio de controles mais austeros nos gastos para que então haja espaço para juros menores de modo sustentável.

Na conjuntura atual, diante do crescimento exacerbado das despesas e do déficit orçamentário, a ordem dos fatores importa.

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