sábado, 30 de setembro de 2023

PRIVATIZAÇÕES E A MUDANÇA DO PAPEL DO ESTADO (II)

Marcus Pestana, O TEMPO

Já discutimos aqui o papel do Estado no desenvolvimento da sociedade moderna e da economia capitalista, onde adquiriu formas variadas em função das peculiaridades históricas de cada país. Nas últimas décadas do século XX, o estrangulamento fiscal do “Welfare State”, a onda neoliberal liderada por Reagan e Thatcher, a dissolução da URSS e do bloco comunista, a globalização, a internet e a emergência da sociedade pós-industrial desencadearam um novo ciclo em que a “Reforma do Estado” ocupou espaço central.

No Brasil, a consolidação de nosso capitalismo tardio e o processo de industrialização por substituição das importações tiveram o Estado como protagonista para suprir as lacunas deixadas por um ainda débil setor privado.

Também, em nosso país, desencadeou-se, nos anos de 1990, um vigoroso processo de reforma do Estado, impulsionado tanto pela crise fiscal quanto pela necessidade de modernização do modelo de intervenção estatal. Programas de desestatização avançaram com a privatização de empresas estatais, venda de participações, concessões públicas e parcerias público-privadas (PPPs).

A provocação que levanto é que não se deve privatizar por privatizar, sem antes responder a três perguntas básicas: Por que? Como? Por quanto?

Vários motivos não excludentes levam governos a privatizar empresas estatais ou se desfazer de participações acionárias: a. convicção ideológica; b. ajuste fiscal; c. atração de investimentos; e, d. ganhos de eficiência e produtividade para o setor e para a economia como um todo.

Os liberais radicais defendem um Estado enxuto, mínimo, e, portanto, a privatização de todas as estatais. A esquerda, na maioria das vezes, confunde público com estatal, e resiste à ideia de que em muitos setores não faz sentido a presença estatal. A partir daí, advoga em favor de um Estado superdimensionado. Sou daqueles mais pragmáticos em busca do Estado socialmente necessário, definido segundo as circunstâncias históricas concretas. A competência e a eficiência não são monopólio público ou privado, e as Lojas Americanas estão aí para provar isto. Mas faria sentido manter estatais como a têxtil América Fabril ou a Livraria José Olympio Editora privatizadas no Governo Figueiredo? Ou a Aracruz Celulose e a Computadores Brasileiros (COBRA) vendidas no Governo Sarney? Teria nexo, em pleno século XXI, o Estado brasileiro produzir diretamente aço, fertilizantes, aviões, minério, telecomunicações, papel entregue à iniciativa privada nos governos Collor, Itamar Franco e FHC? Claro que não. Mas, pragmaticamente ainda faz sentido manter ferramentas como o BNDES, o Banco do Brasil ou a CEF, a Petrobrás e outras poucas estatais.

Certamente, as privatizações atenderam não apenas às convicções ideológicas, mas também atraíram novos investidores e melhoraram a eficiência setorial e da economia como um todo. É só avaliar o desempenho da EMBRAER, da Vale do Rio Doce ou das empresas de telecomunicações. Mesmo os governos do PT privatizaram o Banco do Estado do Ceará, as Usinas de Jirau e Santo Antônio e o Instituto de Resseguros do Brasil (IRB). Já o governo Bolsonaro privatizou a BR Distribuidora e a Eletrobrás.

Falta explorar a privatização como instrumento de ajuste fiscal e as formas de modelagem e precificação no processo de desestatização. Faremos isso.

*Economista e Professor. Ex-Deputado Federal pelo PSDB-MG. Secretário de Estado de Saúde de Minas Gerais (2003-2010). Diretor-Executivo do IFI – Instituição Fiscal Independente do Senado.  

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