Os israelenses sionistas não são diferentes dos americanos, dos australianos ou dos brasileiros
O antissemitismo original, de raízes medievais e cristãs, desceu a uma caverna sombria desde o Holocausto e a subsequente criação do Estado de Israel. À luz do sol, no espaço público que ele ocupava, emergiu o antissemitismo 2.0, que se apresenta como antissionismo.
— O Estado de Israel é uma vergonha para a humanidade, quem mata criança não merece respeito, não merece ser um Estado — tuitou Gleide Andrade, tesoureira do PT e conselheira de Itaipu, ilustrando a versão mais primitiva do antissemitismo 2.0.
— Sou antissionista, não antissemita — habituou-se a retrucar o antissemita da era pós-Holocausto.
Jogo de palavras, fruto de ignorância ou malícia. O sionismo é o movimento nacional judaico que conduziu à fundação de Israel. Sionista é, simplesmente, o defensor da existência do Estado judeu. Há sionistas de esquerda, de centro e de direita. Entre eles, existem tanto arautos da convivência com os palestinos em dois Estados quanto do “Grande Israel”, com a ocupação permanente dos territórios palestinos. Ser antissionista é pregar a destruição de Israel: antissemitismo 2.0.
Na Guerra Fria, o antissemitismo 2.0 era propagado por vozes estatais árabes, por correntes da esquerda ortodoxa e, claro, da extrema direita negacionista do Holocausto. Gleide Andrade evidencia a persistência daquele discurso carrancudo, que perdeu tração desde a paz entre Israel e Egito, em 1978. De lá para cá, nasceu uma versão mais sofisticada do antissemitismo 2.0, que também contesta o direito à existência do Estado judeu, mas com um sorriso maroto. Sua fórmula: “Estado único, binacional e democrático na Palestina histórica”.
“Do Rio Jordão ao Mar Mediterrâneo, a Palestina será livre”, cantou-se em Londres, dias atrás. Destruindo Israel? Segundo uma esquerda que faz da linguagem um artifício ilusionista, pela implantação do tal Estado binacional — o que dá na mesma.
Um cidadão israelense tem o direito de propor a seus compatriotas, por meio de resolução parlamentar ou plebiscito, a autodissolução de Israel para a edificação de um Estado binacional. O delírio teria, obviamente, vida curta. Contudo a mesma proposta oriunda de um estrangeiro — judeu ou não, tanto faz — assume contornos exterministas. Como a nação israelense não pretende dissolver seu Estado, seria preciso eliminá-lo pela força. A nova linguagem do antissemitismo 2.0 não passa de um truque para recolocar em pauta a antiga exigência de supressão violenta de um Estado nacional.
Os israelenses sionistas não são diferentes dos americanos, dos australianos ou dos brasileiros. Seu Estado é um contrato de cidadania. As leis e instituições do Estado de Israel protegem direitos e liberdades. A noção de que, por algum motivo, eles devem renunciar ao contrato nacional e substituí-lo por expectativas difusas sobre um futuro Estado binacional compartilhado com os palestinos trai o verdadeiro objetivo de quem a propaga.
E os palestinos, não teriam direito a um Estado? A ONU consagrou esse direito no plano de partilha de 1948. Israel reconheceu oficialmente o direito nacional palestino nos Acordos de Oslo de 1993. A paz pela convivência de dois Estados é a única solução para Israel/Palestina que não passa pelo exterminismo.
Netanyahu e seus radicais rejeitam a paz em dois Estados. O Hamas e seus aliados militares ou ideológicos também a rejeitam. A parceria violenta Netanyahu/Hamas, vigente entre 2009 e o 7 de outubro de 2023, representou um abraço trágico entre duas recusas simétricas. Os israelenses trucidados pelo terror e os civis palestinos mortos sob escombros de bombardeios na Faixa de Gaza são o preço cobrado pela dupla recusa.
A esquerda agrupada no pátio do antissionismo, que adquiriu o hábito de pronunciar discursos melífluos sobre o Estado binacional, não se furta a lamentar retoricamente a barbárie do 7 de outubro. Mas, de fato, opera como força auxiliar de uma “resistência palestina” devotada à guerra sem fim contra Israel. O sionismo expansionista de Netanyahu só não está nu porque o antissemitismo 2.0 oferece-lhe um manto indispensável.
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