Taxar críticos de bombardeios e massacre de civis de 'pró-Hamas' é ferramenta inaceitável para silenciar dissidentes
O famoso aforismo alerta: "Aqueles que não conhecem o passado estão condenados a repeti-lo". É urgente lembrar as lições da história e aplicá-las à ofensiva militar e ao cerco de Gaza promovidos por Israel em retaliação ao horripilante massacre cometido pelo Hamas.
É difícil ignorar as semelhanças entre os ataques de 11 de setembro de 2001 nos EUA, que mataram 3.000 pessoas, e o ataque sofrido por Israel em 7 de outubro.
A reação ao 11 de setembro causaria décadas de guerras, bombardeios, ocupações, tortura, prisões clandestinas e prisioneiros em cativeiros brutais sem sinal de processo legal ou garantias constitucionais. O próprio governo dos EUA acabaria por reconhecer, anos depois, que muitos desses prisioneiros eram inocentes.
A invasão e a destruição do Iraque são apenas um dos exemplos de como a reação dos EUA aos ataques de 2001 tiveram consequências desastrosas. O ex-primeiro ministro do Reino Unido Tony Blair, que liderou entusiasticamente a participação do país nessa guerra, admitiria anos depois que a sua principal consequência foi a ascensão do Estado Islâmico.
Enquanto o grande público nos EUA continua obviamente considerando os ataques de 11 de setembro repreensíveis e injustificados, a maior parte também considera a reação militar contraproducente e até moralmente vergonhosa.
Assim como o ataque do Hamas, o 11 de setembro gerou raiva, nojo e sede de vingança. Eu morava em Nova York, e a memória daquele dia está impressa em minha mente para sempre. Eu também fui tomado por esses sentimentos.
Os EUA se uniram em torno do presidente George W. Bush, que até aquele dia era bastante impopular, dispostos a endossar tudo o que o governo fizesse —guerras, golpes, tortura, autoritarismo e vigilância doméstica— desde que fosse para vingar os ataques e destruir os terroristas.
Houve, porém, alguns americanos que corajosamente manifestaram sua oposição ao consenso de que eram necessários novas guerras e novos métodos de tortura e sequestro. Essas poucas vozes foram atacadas pela mídia e pelo establishment como sendo pró-terrorista ou estando do "lado da Al Qaeda".
Como resultado, as raras pessoas que se opuseram à agenda de Bush e Cheney tiveram suas reputações destruídas. Alguns foram demitidos de seus empregos.
Foi isso que aconteceu com Ward Churchill, professor da Universidade do Colorado, demitido depois de escrever um texto defendendo que as guerras, o imperialismo e os golpes patrocinados pelos EUA causaram o sentimento anti-americanista que levou aos ataques de 11 de setembro.
Essa demissão não foi acidental. O clima de repressão contra vozes dissidentes foi deliberadamente cultivado. Apenas dez dias depois dos ataques, quando os escombros dos prédios ainda estavam pelas ruas, George Bush foi explícito em seu discurso no Congresso, ao falar que quem questionasse ou discordasse de sua política belicista seria considerado um inimigo: "Ou você está do nosso lado ou está do lado dos terroristas". Ele foi aplaudido de pé.
Em meio a esse clima, Bush conseguiu implementar várias leis autoritárias, lançar novas guerras e causar golpes no Oriente Médio, decisões que hoje sabemos terem sido desastrosas. A lição aprendida foi que não devemos acreditar cegamente quando se diz que guerras ou violência são a única forma de "combater o terrorismo".
São óbvios os paralelos com a guerra brutal que Israel está travando em Gaza. A brutalidade e a selvageria do massacre de 7 de outubro geraram o mesmo tipo de sentimento que as imagens do World Trade Center desabando. A sede de vingança contra os terroristas responsáveis é igualmente visceral. Os americanos daquela época, tal como os israelenses hoje, achavam que não deveria haver limites na violência empregada em resposta.
Copiando a fórmula "ou conosco ou com os terroristas" empregada por Bush, as Forças de Defesa de Israel (IDF) espalharam pelas mídias sociais o slogan "ou você está com Israel ou está com o Hamas".
Qualquer questionamento à reação israelense —que já matou milhares de civis palestinos, incluindo centenas de crianças— é imediatamente taxado de pró-Hamas. Esse rótulo difamatório é aplicado a quem se atreve a criticar os bombardeios sem precedentes conduzidos por Israel em Gaza ou a promessa de apoio incondicional feita pelo presidente dos EUA, Joe Biden.
Segundo um estudo da Universidade Brown, a resposta dos EUA ao 11 de setembro resultou em guerras e campanhas de bombardeio em ao menos oito países de maioria muçulmana, custou US$ 8 trilhões e foi responsável direta pela morte de mais de 900 mil pessoas.
Isso tudo resultou no surgimento e na ascensão do Estado Islâmico e, depois de 20 anos de uma ocupação no Afeganistão, o Talibã retornou ao poder como se nada tivesse acontecido. Foram 20 anos de aventura sangrenta, autodestrutiva, custosa e inútil no Oriente Médio, sem falar das transformações autoritárias da política doméstica dos EUA, com a assinatura do Patriot Act, a militarização e a vigilância da sociedade e a espionagem em massa.
Todo cidadão tem não só o direito, mas o dever de questionar a violência indiscriminada empregada por Israel em resposta aos ataques. Expressar esses questionamentos não torna ninguém pró-Hamas, e não podemos tolerar que esse rótulo seja aplicado como forma de intimidação e ferramenta para silenciar dissidentes.
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