Descompromisso com as metas fiscais revelado pelo presidente dificulta a missão do Banco Central
A penúltima reunião de 2023 do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) começa amanhã com o mercado num clima de dúvida. O encontro acontece quatro dias depois de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter declarado que a meta fiscal de 2024 dificilmente será zero. Ao ser questionado hoje sobre o tema, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, reiterou seu compromisso com a meta assumida pelo governo: “Minha meta está estabelecida: vou buscar o equilíbrio fiscal de todas as formas justas e necessárias para que tenhamos um país melhor”.
A declaração desastrada de Lula vai além de desautorizar publicamente quem ele próprio escolheu para cuidar da economia. Lula volta a agir como se fosse um comentarista econômico, não um ator com poder de influenciar expectativas do mercado. Com isso, só contribui para dificultar o desafio do BC. Haddad tentou aliviar o clima, e a maioria dos analistas acredita que o BC cortará os juros em meio ponto percentual (para 12,25%). Mas cresceu a dúvida sobre quando terminará o ciclo de queda iniciado em agosto.
A projeção para a taxa básica em dezembro de 2024, que já esteve em 9%, começou a subir, como mostrou o relatório Focus divulgado hoje. As declarações de Lula provavelmente ajudarão a deteriorá-la ainda mais. Caso a perspectiva se confirme, o BC, cujo mandato é zelar pelo combate à inflação, será obrigado a manter o juro mais alto. Por enquanto, o banco tem cumprido sua missão. A previsão atual é que a inflação feche 2023 e 2024 acima do centro da meta (3,25% e 3%), mas abaixo do teto (4,75% e 4,50%).
Lula demonstrou desconhecimento sobre a necessidade de o governo equilibrar suas contas para mudar a trajetória ascendente da dívida pública, de modo a contribuir para a queda dos juros. Causa espanto a incompreensão, dada a gravidade do cenário externo. A expectativa é que a política monetária americana continue restritiva por um bom tempo devido à resiliência da inflação. Por isso as taxas de longo prazo nos Estados Unidos estão em alta. Com juros mais altos, os títulos da dívida americana atraem mais capital externo, e o dólar se valoriza. Nos países em que perde força, os importados encarecem e aumentam a inflação. Isso ainda não aconteceu por aqui, mas essa é uma fonte de preocupação.
Não é a única. Com a guerra na Ucrânia, o mercado global de energia sofreu um solavanco. Agora o conflito é no Oriente Médio. Relatório do Banco Mundial divulgado ontem projeta, com base na desaceleração da economia global, que o barril de petróleo deverá cair de US$ 90 para US$ 81 no ano que vem. Mas, caso a guerra entre Israel e Hamas se alastre e países exportadores cortem a produção, o documento prevê dois cenários alarmantes. No médio, os estragos seriam semelhantes aos provocados pela guerra no Iraque em 2003, e o valor do barril chegaria a US$ 121. No pior, comparável ao embargo de 1973, alcançaria US$ 157.
Na ata da última reunião do Copom, o presidente e os diretores do BC ressaltaram a necessidade de cooperação do governo: “Tendo em conta a importância da execução das metas fiscais já estabelecidas para a ancoragem das expectativas de inflação e, consequentemente, para a condução da política monetária, o Comitê reforça a importância da firme persecução dessas metas”. Ao final da reunião desta semana, precisarão ser mais enfáticos.
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