sexta-feira, 3 de novembro de 2023

BC MANTÉM RITIMO DE CORTE, MAS CONTINUIDADE CORRE RISCOS

Editorial Valor Econômico

Pelo cenário de hoje, ao fim do ciclo de aperto monetário, a Selic será de 8,5% só em 2026, com uma taxa real de 5,5%

O Banco Central seguirá com o processo de redução de juros, ao ritmo de 0,5 ponto percentual, pelo menos por mais duas reuniões. O Comitê de Política Monetária não mudou sua avaliação sobre os riscos fiscais, após o presidente Lula ter descartado a necessidade de perseguir a meta de déficit zero em 2024 e abrir o caminho para mudá-la. Apenas repetiu termos de seu comunicado anterior, reafirmando “a importância da firme persecução” das metas já estabelecidas. A evolução do cenário de referência do BC indica, porém, problemas à frente com o ritmo de corte dos juros e uma taxa ainda contracionista ao fim do ciclo.

Ao manter o ritmo de ajuste, o BC agiu com base no progresso relevante na queda da inflação. Tanto em seu cenário de referência quanto nas projeções do boletim Focus, o IPCA do ano corrente situa-se agora abaixo do teto da meta de 3,25%, algo que há um par de meses parecia impossível. Mas o BC ressalva que as medidas de inflação subjacentes (que olham o núcleo e desconsideram preços de produtos mais voláteis) se situam acima da meta de inflação, sem indicar que elas continuam a recuar.

As projeções do IPCA no cenário de referência do BC e do boletim Focus são praticamente iguais para 2023, mas se afastam nos dois exercícios seguintes, como ocorrera no comunicado anterior. Entretanto, a estimativa do cenário de referência do BC piorou marginalmente para 2024 e 2025 - foram de 3,5% e 3,1% no comunicado anterior para 3,6% e 3,2% -, o que emite um sinal de alerta. A projeção subiu mesmo considerando que os juros projetados são mais altos: 9,25% (antes 9%) em 2024 e 8,75% (antes 8,5%) em 2025. Isso sugere que o ritmo de cortes pode arrefecer, ou que ele pode ser interrompido antes do que se prevê. Pelo cenário de hoje, ao fim do ciclo de aperto monetário, a Selic será de 8,5% só em 2026, com uma taxa real de 5,5% - considerando-se o juro neutro de 4%, ela ainda será significativamente contracionista.

Houve uma mudança para pior na avaliação do cenário externo, que passou do “incerto” para “adverso”, motivado principalmente pelo aumento das taxas de longo prazo nos Estados Unidos, pela resistência à baixa dos núcleos de inflação em diversos países e por “novas tensões geopolíticas”. O Copom acrescentou “cautela” à atenção prescrita em sua avaliação anterior. Mesmo assim, não houve mudança no balanço de riscos. A persistência de pressões inflacionárias e a possibilidade de que a economia brasileira esteja crescendo próximo ou acima de seu potencial, impulsionando a inflação de serviços, puxariam o IPCA para cima. Para baixo atuariam uma desaceleração global maior do que a prevista e um aperto monetário sincronizado cujos efeitos sejam mais fortes do que o esperado.

Os juros de longo prazo mais altos nos EUA, com o aperto das condições financeiras, foram também ressaltados no mesmo dia na entrevista de Jerome Powell, presidente do Federal Reserve, logo após o banco central americano decidir manter, pelo segundo mês consecutivo, a taxa de juros entre 5,25% e 5,5%. O Fed não descarta, porém, um aperto adicional no futuro. O Fed tem um problema sério: a economia disparou no terceiro trimestre e cresceu 4,9%, mesmo com os maiores juros em 22 anos. Powell indicou que ainda assim agirá com cautela porque se move no terreno delicado de uma transição incerta, na qual a inflação tem caído, mas os efeitos da rápida e forte carga de aperto monetário ainda não mostraram plenamente seus efeitos. “Não estamos confiantes que com a atual instância monetária conseguiremos levar a inflação a 2%, nem estamos confiantes de que não conseguiremos”, resumiu Powell.

O Fed quer levar a economia a operar por um período abaixo de seu potencial de longo prazo, mas isso ainda não está perto de ocorrer. Powell acha que as condições financeiras estão mais apertadas, com a alta expressiva dos titulos do Tesouro de longo prazo, a valorização do dólar, aumento dos spreads de crédito (diferença entre o custo de captação e o juro cobrado do tomador final) e outros indicadores, e que se elas se mantiverem assim por algum tempo fariam o mesmo trabalho que uma alta de juro de 0,4 ponto percentual decidida pelo banco. Até o fim do ano passado, o Fed temia estar realizando uma política menos restritiva do que deveria, e sinalizava sua preferência por pecar por excesso do que por timidez na execução monetária. Hoje o risco está mais balanceado entre as duas atitudes, afirmou Powell.

O consumo americano é forte e o mercado de trabalho continua aquecido, embora um pouco menos do que antes. Cálculos da Oxford Economics indicam que a proporção entre a oferta de emprego e o número de candidatos aptos a preenchê-la, que já foi de 2, situa-se em 1,5. A economia deve esfriar no fim do ano, mas mesmo que nada crescesse, o PIB seria de 2,1%.

O Fed aguarda, primeiro, que os efeitos defasados da alta dos juros produzam as consequências esperadas, atingindo um ponto em que não haja mais dúvidas de que a inflação ruma para os 2%. A partir daí, decidirá por quanto tempo sua política restritiva se manterá - suas últimas indicações são de que durará mais tempo que o previsto. O mundo, o Brasil incluído, acompanha os desdobramentos.

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