Não é tão fácil ter uma resposta. Um dos motivos é que os melhores estudos sobre o assunto só conseguem capturar efeitos relativos
Em 2011, o Brasil era outro. Alguns anos antes, o Lula havia anunciado que a crise internacional de 2008 seria uma marolinha no Brasil. Por um tempo, parecia que seria assim. O país surfaria a crise sem menos problemas. A revista britânica The Economist publicaria aquela icônica capa do Cristo Redentor decolando. E Lula elegeria sua sucessora, Dilma Rousseff.
Mas a crise financeira também marcaria uma guinada mais forte na política econômica do governo. Lula I foi o governo da Carta ao Povo Brasileiro, que prezou pela manutenção e expansão das bases econômicas e sociais do governo Fernando Henrique, com o tripé macroeconômico e programas sociais focalizados, como o Bolsa Família.
Viriam uma série de “políticas anticíclicas” (economês para políticas de estímulo econômico) no meio da crise, o que se faz bastante durante recessões para evitar momentos de crise profunda. Mas o que normalmente são intervenções pontuais acabaram durando quase uma década. Foi essa guinada que hoje se conhece como Nova Matriz Econômica, a série de políticas de distorções setoriais que acabou resultando na grande recessão de 2014-16.
Entre essas políticas estava o Plano Brasil Maior, que incluía alguns setores para dar um subsídio da desoneração da folha de pagamento. Substituía-se a contribuição patronal da Previdência de 20% por alíquotas bem menores, entre 1% e 4,5%.
Nas últimas semanas, o ministro Haddad e o presidente Lula avisaram que reverteriam o curso anterior da política petista e não renovariam a desoneração. Naturalmente, diversos grupos de interesses se pronunciaram contrariamente, dizendo que o fim da medida vai impactar empregos.
Mas será que é assim?
Não é tão fácil ter uma resposta. Um dos motivos é que os melhores estudos sobre o assunto só conseguem capturar efeitos relativos.
Isto é, eles comparam como as empresas (ou setores, ou empregados) que se beneficiaram da desoneração em relação àquelas que não se beneficiaram. Ou seja, não é possível responder diretamente à pergunta que interessa a todos: se aumentou o número total de empregos no Brasil.
Dito isso, o que sabemos? Há dois ótimos estudos recentes sobre o assunto.
O primeiro, dos economistas Erick Baumgartner, Raphael Corbi e Renata Narita, indica que o número de empregados nos setores beneficiados pela desoneração se expandiu em cerca de 5% em relação aos setores não beneficiados.
Igualmente importante, esse efeito está concentrado nas regiões do país onde há muitas empresas — e há maior competição no mercado de trabalho. Em mercados mais concentrados, empresas conseguem se apropriar mais do benefício, sem responder muito em forma de emprego.
Como eu mencionei acima, todos essas estimativas são relativas. Mas, mesmo se elas valessem no agregado, ainda assim não é claro que o custo por emprego seria razoável. Na estimativa dos autores, o custo aproximado por emprego seria, em valores atualizados, de cerca de R$ 80 mil por emprego gerado.
O segundo, do jovem economista Felipe Lobel, tem dados superdetalhados no nível de empresas e empregados. Ele também mostra uma expansão relativa no número empregados das empresas beneficiadas, dessa vez de 9%.
Mas ele mostra algo bem interessante, que o outro estudo não capturou: os efeitos sobre os salários não são uniformes. Os ganhos relativos sobre os salários são concentrados nos trabalhadores mais ricos, brancos e de alta qualificação.
Os lobbies estão certos em pressionar porque os estudos todos mostram que suas empresas expandiram em termos de emprego, produção e lucros em termos relativos. Ao mesmo tempo, não são eles que pagam o imposto! O trabalho de Felipe Lobel estima que o fardo do imposto recai 75% sobre os consumidores, 14% sobre trabalhadores e somente 11% sobre empregadores.
Mas, então, a desoneração da folha de pagamentos vale a pena?
Como em tudo, isso requer algum julgamento de valor. Não temos uma resposta sobre a geração agregada de empregos. Os estudos indicam que a política fez alguns setores se expandirem em relação a outros em termos de empregos e lucros; beneficiou trabalhadores brancos, de alta qualificação e de maiores salários; provavelmente é cara; e seu efeito em cada parte do país depende da competição no mercado de trabalho local.
Deixo o julgamento com o leitor. Mas talvez tão ou mais marcante seja o governo dar marcha ré num marco da Nova Matriz Econômica. Quiçá seja outra guinada.
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