Boas propostas de Lula foram prejudicadas por vulnerabilidades, como o desmatamento, e contradições, como o flerte com o cartel petrolífero da Opep, que não traz vantagens ao País
O discurso do presidente Lula da Silva na Conferência do Clima da ONU (COP-28) compilou boas intenções, acusações e cobranças genéricas, perpassadas por algumas propostas concretas, mas incapazes de escamotear vulnerabilidades e contradições.
Entre as generalidades extemporâneas está a menção às guerras. Quando Lula não as reduz a um mal-entendido, equiparando responsabilidades, como se não houvesse agressores e vítimas, as reduz a uma espécie de “luta de classes”, indignando-se com a incapacidade da ONU de manter a paz, “porque alguns dos seus membros lucram com a guerra”. Essas manifestações simplistas, simplórias e inoportunas só desmoralizam o protagonismo geopolítico do Brasil.
Naquilo que interessa, o governo chegou com algumas cartas na manga. A cúpula dos países amazônicos inaugurada pelo Brasil, ainda que não tenha logrado muitos compromissos, foi um passo na coordenação das políticas da região. O Brasil também apresentou propostas de regulação do mercado de carbono e de linhas de crédito voltadas ao desenvolvimento de alternativas sustentáveis.
Além disso, o governo tinha a seu favor a redução de 22% no desmatamento da Amazônia. Ainda é pouco. O desmate responde por quase metade das emissões de gases de efeito estufa do Brasil e é o maior pretexto de corporações agrícolas protecionistas para conspurcar a reputação do agro nacional. Neste sentido, Lula poderia ter prestigiado as conquistas do agronegócio na área de sustentabilidade, mas, como são iniciativas independentes de um setor pelo qual não nutre muita simpatia, parece não ter tido interesse.
Além do desmatamento, as queimadas no Pantanal e no Cerrado são outras vulnerabilidades, mas que justificam certas cobranças. O presidente fez bem em propor um fundo coordenado por organismos multilaterais para remunerar a preservação e o reflorestamento. Se os biomas brasileiros são, como todos dizem, um “patrimônio da humanidade”, é justo que seus povos contribuam para preservá-lo.
Mas a participação de Lula não disfarçou certas contradições. Não, como muitos dizem, a potencial exploração de petróleo na Margem Equatorial. Goste-se ou não, num futuro próximo a economia global continuará a ser abastecida pelos combustíveis fósseis. Se o Brasil não explorar suas reservas, isso não alterará em nem um litro o consumo. Os povos amazônicos vivem um paradoxo: com todas as suas alegadas “riquezas naturais”, têm os maiores índices de pobreza do País, o que incentiva práticas predatórias. Políticas ambientais, sociais e de transição energética custam caro, e a exploração da Margem Equatorial, se for segura, pode financiá-las.
O que é realmente contraditório é a manutenção de subsídios aos combustíveis fósseis. Pior do que contraditório, o aceno à adesão do Brasil à Opep+ é contraproducente. O interesse do cartel no Brasil é evidente. O País está entre os 10 maiores produtores do mundo e pode ser o 4.º se se confirmarem as perspectivas do pré-sal e da Margem Equatorial. A participação no cartel tem custos geopolíticos, mas seus petroestados, na maior parte tiranias, os pagam, porque suas economias dependem quase que exclusivamente do petróleo. Não é o caso do Brasil. Se participasse do grupo, ele seria obrigado a seguir suas determinações sobre a produção e os preços, com pouca ingerência sobre elas. Já a Opep+ reúne países na condição de ouvintes, e o Brasil ganharia, no máximo, acesso antecipado às decisões do cartel. Em ambos os casos o Brasil tem a perder.
A única explicação é o apetite de Lula e seus acólitos, incapazes de se divorciar da mentalidade da guerra fria, por provocar o “Norte” global aderindo a uma suposta instância de emancipação do “Sul”. Esse ruído em plena COP não será suficiente para minar a posição privilegiada do Brasil na área ambiental, mas foi um vexame diplomático evitável. Espera-se que as equipes do Itamaraty e da Fazenda tragam o Planalto à razão, quer dizer, ao serviço dos interesses reais do País, e não do narcisismo ideológico de seu presidente.
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