Futuro ministro do STF sinaliza papel de mediação entre o Judiciário e o Executivo
No mesmo dia em que o ministro Flávio Dino foi indicado para a vaga de Rosa Weber no Supremo Tribunal Federal, Belo Horizonte sediou o Congresso Nacional da Advocacia, maior encontro do gênero do mundo, com 25 mil inscritos. Pelo menos 80% deles estavam no Expominas.
Seu principal auditório estava lotado para a sessão de abertura quando Sergio Leonardo, presidente da OAB-MG, começou a falar. A aposta da OAB era de que o presidente do Supremo não iria, tamanha a chance de vaia. Mas ele foi. Antes que se pronunciasse, o ministro Luís Roberto Barroso teve que ouvir Leonardo, sem registrar sua presença à mesa, falar.
Num discurso de tribuno, em que não faltaram menções ao combate ao racismo, à misoginia e à miséria, blindando-se contra a associação entre a advocacia mineira e o bolsonarismo, foi para cima: “A advocacia não é profissão de covardes, e é preciso dizer que os excessos cometidos por magistrados dos tribunais superiores nos causam indignação e merecem nosso repúdio”.
A mesa, composta por uns 20 dirigentes da OAB, e o auditório, vieram abaixo. Num dos vídeos que circulam nas redes, uma voz de mulher aparece ao fundo, “olha a cara do Barroso”. O presidente do Supremo tinha a testa apoiada sobre a mão direita e olhava para baixo.
A advocacia está em guerra com o STF desde o inquérito do 8/1. Mune-se das penas superiores aos crimes de estupro e tráfico de drogas à ausência, no plenário virtual, de sustentação oral da defesa. É ingenuidade, porém, imaginar que esta reação limita-se ao corporativismo da advocacia. Pesquisas de opinião sugerem uma população mais preocupada com os rumos do Judiciário do que com aqueles da democracia.
Barroso ensaiou uma resposta ao discorrer sobre o ataque de autocracias contra o Judiciário mundo afora, mas o iluminismo do presidente do STF os ofusca. É sobre Dino que repousam as expectativas de reação.
No primeiro pronunciamento público desde a indicação, ao iniciar a peregrinação no Senado, Dino disse quase tudo sobre sua reação. Vai trocar de roupa. Sai o figurino do ministro mais combativo no enfrentamento do bolsonarismo golpista e entra o figurino que “não tem partido, nem ideologia, nem lado”.
Jogando para a plateia que vai sabatiná-lo no Senado? Claro que sim. Mas só a compreensão do personagem a ser assumido por Dino pode explicar o futuro das relações entre os Poderes a partir de sua posse.
Não será o mesmo figurino de “Os Vingadores” com o qual enfrentou o “senador da Swat”, Marcos do Val (Podemos-ES). E não vai trocar de fantasia apenas para a sabatina.
O acordo entre o Planalto e a presidência do Senado em torno da aprovação da PEC que limitou as decisões monocráticas e possibilitou a indicação de Dino escancarou o papel que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva almeja ter para sair de devedor do STF para mediador deste com o Legislativo.
Some-se a isso o estreitamento das relações entre Lula e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Ex-conselheiro federal da OAB-MG, Pacheco tem sua base eleitoral fincada naquele auditório que se manifestou em uníssono contra o STF, mas não poderá se valer unicamente dela para seu futuro político.
Se, para chegar à mesa do Senado, valeu-se do antecessor, Davi Alcolumbre (União-AP), para traçar a rota depois do Senado precisará de Lula.
Dino será um instrumento da mediação lulista. Primeiro, em benefício do presidente que o indicou. Depois, de si mesmo. Não é pouco numa Corte com candidatos em profusão a este papel, a começar pela dupla que o apoiou, Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes.
A sabatina será o primeiro teste para isso, mas os primeiros sinais já estão aí. Tome-se, por exemplo, a escolha de Weverton Rocha (PT-MA) para a relatoria. Trata-se de um ex-desafeto, que esteve em palanque adversário do ministro e integra o círculo mais próximo do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Como o nome de Dino foi acertado entre os Poderes, a escolha de relator também o é. Há um acordo, ainda que não se conheçam os meios com os quais Rocha será agraciado.
De tão focado na sabatina, Dino não está empenhado em fazer sucessor na Justiça. Quando sua toga estiver bem ajustada, a articulação que pretende fazer entre Executivo e Judiciário ofuscará o papel clássico do MJ.
Com a palavra, o próprio Dino, na entrevista dessa quarta: “O STF, como guardião das regras do jogo, deve ser o vetor desta harmonia no país. Este é o sentido da interlocução entre a política e o Judiciário que faço neste momento e na qual pretendo prosseguir”.
O ministro tende a ser, para Lula, o que Nelson Jobim foi para Fernando Henrique Cardoso. Apresentado por Gilmar a Jobim, em 1999, foi juiz auxiliar deste na presidência do STF. Nesta condição, participou da criação do Conselho Nacional de Justiça, órgão cujo contorno traçou em sua tese de mestrado e do qual seria o primeiro secretário-geral.
Deve explorar sua participação na criação do CNJ, na sabatina, para defender sua crença na limitação de poder do Judiciário, ainda que o Conselho não exerça o controle externo do STF.
Em público, Dino chama Jobim de “ministro” e é por ele tratado como “Flávio”. De “líder” de FHC no STF, Jobim ainda integrou os governos Lula e Dilma até passar à iniciativa privada. Dino não está condenado ao mesmo destino.
Deu outra pista: “Na hora em que o presidente faz a indicação, mudo a roupa, é a roupa que vestirei sempre”. Poderia ter dito “para sempre”, mas não o fez.
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