Apesar das temperaturas mais altas já registradas, humanidade tem andado a passos mais lentos do que deveria
A palavra “anomalia” tem um sentido técnico específico em ciência climática. Trata-se do desvio — para mais ou para menos — de uma medição em relação à média esperada. Não é necessariamente uma variação extrema, mas as anomalias de temperatura registradas em 2023 foram anômalas também no sentido mais comum da palavra. Nunca a Terra registrou temperaturas tão acima da média esperada. O ano de 2023 foi, de longe, o mais quente já medido. Recordes foram quebrados repetidas vezes. Junho foi o mês mais escaldante até julho chegar. Depois agosto, setembro... e assim sucessivamente, até dezembro.
O Serviço de Mudanças Climáticas Copernicus, agência europeia do clima, constatou que metade dos dias de 2023 registrou temperatura 1,5oC acima do nível pré-industrial. A média da temperatura global foi de quase 15oC, 0,17oC acima de 2016, até então ano mais quente da História. O cruzamento de dados de satélites com evidências geológicas mostra que 2023 figura como o mais quente dos últimos 100 mil anos. As medições da Nasa, que serão divulgadas ainda nesta semana, deverão corroborar a constatação.
É verdade que as temperaturas foram influenciadas pelo El Niño, aquecimento cíclico das águas do Pacífico que se formou na metade do ano e influenciou os últimos meses. Mas os gráficos são eloquentes ao demonstrar a anomalia — não no sentido técnico. No ano passado, a temperatura ficou, na média, 1,48oC acima da segunda metade do século XIX. No Acordo de Paris, em 2015, as nações se comprometeram a limitar o aquecimento global a 2oC e, se possível, a 1,5oC até o fim do século. A meta provavelmente ficará para trás bem antes do previsto.
Cientistas já se perguntam se 2023 seria a prévia de uma aceleração no aquecimento global de consequências inimagináveis. A escalada nas temperaturas traz insuportáveis ondas de calor, tempestades arrasadoras, incêndios devastadores e letais, derretimento de geleiras e aumento no nível dos oceanos. Não se trata de teorias apocalípticas. Boa parte desses fenômenos foi testemunhada por habitantes de diferentes países e regiões em 2023. Tudo indica que 2024 não será diferente.
Os recordes sucessivos nas anomalias de temperatura são resultado da incapacidade de conter as emissões de gases de efeito estufa. Dão um recado contundente sobre a necessidade de medidas eficazes para cortá-las. Infelizmente, a humanidade tem andado a passos mais lentos que o necessário para remediar seus efeitos no clima.
Não se pode dizer que não exista consciência no mundo sobre a urgência de combater aquecimento global, até porque populações de todo o planeta estão mais vulneráveis. Mas, por razões econômicas e políticas, nem sempre essa compreensão se traduz em ações concretas no tempo necessário.
As conferências da ONU para tratar do tema costumam produzir avanços tímidos. Apenas na última, a COP28, realizada em Dubai no final do ano passado, houve a primeira menção oficial à necessidade de promover uma transição energética para além dos combustíveis fósseis. Ao mesmo tempo, a indústria de óleo, gás e carvão — responsável por 75% das emissões — continua prevendo explorá-los por algo como duas décadas. Esperam-se medidas mais decisivas para a COP30, marcada para Belém em 2025. É preciso agir rápido, porque o tempo do planeta está se esgotando.
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