Engajamento de governadores é crucial para sociedade saber o que é legal e ilegal — e deter a devastação
A área desmatada no Cerrado aumentou 3% de agosto de 2022 a julho de 2023, segundo dados do Inpe. Em anos anteriores, o aumento foi maior (25% em 2022 e 2020, 8% em 2021). Seria um erro, porém, se estender em comemorações. Os 11 mil km2 desmatados foram a maior extensão para o período desde 2015. A situação lembra a vítima de enchente que celebra que a chuva amainou com água até a cintura. De 2003 a 2022, uma área equivalente ao estado de São Paulo virou pasto ou lavoura.
A perda da vegetação nativa é o resultado previsível da expansão da atividade econômica. Hoje o Cerrado responde pela maior fatia da agropecuária brasileira (54% da produção agrícola e 44% do rebanho bovino). Com tecnologia e empreendedorismo, tornou-se referência mundial de produtividade e um dínamo para a economia. O debate, portanto, não deve opor a produção a qualquer preço à conservação ambiental. O desafio é a coexistência. A cada ano fica mais óbvio que o ritmo atual de desmatamento, legal ou ilegal, é insustentável. A estação seca e as temperaturas aumentam, e a água escasseia.
No final de novembro, o governo federal anunciou um plano de ação para prevenir e controlar desmatamento e queimadas até 2027. Chamado PPCerrado, ele tem como objetivo eliminar a devastação ilegal até 2030 e pôr de pé um sistema de compensação para o desmatamento legal. Para que não vire letra morta, a sociedade precisará acompanhar de perto a implementação. A mesma atenção deverá ser dirigida aos governos estaduais, até o momento omissos. O foco é a região conhecida como Matopiba (entre Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), responsável por 75% do desmatamento.
O Código Florestal estabelece que todo imóvel rural mantenha, no mínimo, 20% da área com vegetação nativa (em áreas de transição com a Amazônia, o limite é 35%). Não existe, contudo, base de dados consolidada sobre o cumprimento da lei, apenas a autodeclaração dos proprietários no Cadastro Ambiental Rural. Os estados são os principais responsáveis por emitir documentos para o desmatamento. O Cerrado é, segundo Tasso Azevedo, coordenador da rede MapBiomas, o bioma com mais autorizações legais em proporção à área desmatada, mas falta fiscalização. Entre 2019 e 2022, 46% do desmate na Bahia foi permitido. No mesmo período, menos de 5% foi alvo de alguma inspeção estadual.
Entre os dez municípios com maior extensão devastada no ano encerrado em julho, quatro são baianos. São Desidério, em primeiro lugar, esteve na terceira colocação em 2022 e 2021 e na quarta um ano antes. Formosa do Rio Preto, 180 quilômetros ao norte, também na Bahia, era campeão desde 2001. Os prefeitos dessas cidades e o governador Jerônimo Rodrigues (PT) devem esclarecimentos sobre o que acontece em cada propriedade rural. O mesmo vale para Carlos Brandão (PSB), governador do Maranhão, estado onde o desmatamento é o maior desde 2010. Rodrigues e os governadores do Tocantins, Wanderlei Barbosa (Republicanos), e do Piauí, Rafael Fonteles (PT), foram à COP 28, em Dubai, defender o crescimento sustentável. Faltou explicar por que a destruição da vegetação do Cerrado tem crescido em todos esses estados.
Sem engajamento dos governadores, a sociedade não saberá o que é legal ou ilegal — e o desmatamento do Cerrado não será contido.
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