quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

EM NOME DO PAI

Bernardo Mello Franco, O Globo

Investigado por arapongagem, Zero Dois sempre deixou claro que cumpria ordens do pai

Depois de se eleger presidente, Jair Bolsonaro informou que presentearia o filho Carlos com a Secretaria de Comunicação Social. “O cara é uma fera nas mídias sociais. Tem tudo para dar certo”, justificou. A ideia pegou mal, e o capitão desistiu do ato de nepotismo explícito. O Zero Dois não virou ministro, mas se tornaria uma eminência parda do governo.

Carluxo fabricou crises, derrubou ministros e comandou o famigerado gabinete do ódio. Sem cargo formal em Brasília, ganhou o apelido de vereador federal. O pai preferia chamá-lo de “meu pit bull”. Um cão feroz, sempre a postos para morder a canela dos adversários.

Em março de 2020, o ex-ministro Gustavo Bebianno disse que o Zero Dois queria criar uma “Abin paralela”. Um sistema de informações clandestino, que não deixaria rastros de suas atividades. Agora a Polícia Federal acredita que essa ideia também ficou pelo caminho. Os Bolsonaro acharam mais útil capturar a Abin oficial.

Na decisão que autorizou as buscas desta segunda-feira, o ministro Alexandre de Moraes enumerou provas do “desvirtuamento” da agência no governo passado. Em vez de produzir inteligência para o Estado, a Abin fez arapongagem para o clã. Ajudou a bisbilhotar opositores e obstruir investigações que ameaçavam os filhos do presidente.

A espionagem usou um programa israelense que descobre a localização de pessoas pelo sinal do celular. A ferramenta foi acionada ilegalmente contra congressistas, uma promotora do caso Marielle e ao menos dois ministros do Supremo. A Abin era comandada por Alexandre Ramagem, hoje deputado e pré-candidato a prefeito do Rio. Acima dele estava o general Augusto Heleno, que será ouvido na semana que vem.

Para a PF, Carluxo integrava o “núcleo político” da quadrilha. Como ele nunca fez nada para si mesmo, é provável que os investigadores ainda batam na porta do ex-presidente, que agora se diz vítima de “perseguição implacável”.

No primeiro discurso como vereador, o Zero Dois avisou que não devia obediência à legenda pela qual se elegeu: “Falo não em nome do Partido Progressista, mas em nome do Partido do Papai Bolsonaro”. Vinte e quatro anos depois, só mudou a sigla de fachada.

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