Para Lewandowski, ignorar o alerta do Equador e do crime organizado no Brasil não é opção
No mesmo dia em que o presidente do Equador, Daniel Noboa, decretou conflito armado interno em razão da onda de violência sem precedentes, o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), pediu ajuda nas redes sociais ao governo federal para lidar com o achaque à empreiteira que constrói um novo parque na Zona Norte da cidade. Segundo a prefeitura, três bandidos foram ao canteiro exigir R$ 500 mil para permitir que a obra continue.
Embora os dois episódios não tenham nem de longe a mesma gravidade — ainda não se viram por aqui líderes de organizações criminosas construindo piscinas ou dando entrevistas coletivas na cadeia, nem invadindo canais de TV armados para falar ao vivo à população —, nossa situação tampouco autoriza ignorar o que se passa no vizinho latino.
Quem acompanha a evolução da crise da segurança no Rio ouviu falar em criminosos cobrando propina de empreiteiras em obras públicas pelo menos desde 2012, quando um grupo de traficantes promoveu até o sequestro-relâmpago de um funcionário para extorquir construtoras que faziam uma ponte nos arredores do Complexo da Maré, também na Zona Norte.
Naquela época, o país testemunhava o sucesso da política de ocupação de favelas pelas Unidades de Polícia Pacificadora, as UPPs, ao mesmo tempo que descobria que o mandante do assassinato da juíza Patrícia Acioli era um tenente-coronel envolvido com milícias.
As máfias de policiais e ex-policiais se fortaleciam novamente, mais de uma década depois da CPI da Assembleia Legislativa que indiciou 266 suspeitos e levou à prisão de diversos políticos.
Numa entrevista que fiz então com o sociólogo Claudio Beato para a revista Veja, ele previu que se daria aqui o mesmo roteiro da Colômbia dos anos 1990, quando os paramilitares se associaram ao narcotráfico, espalhando o terror e elevando os índices de criminalidade às alturas.
Naquele contexto, avisos desse tipo eram considerados alarmistas. Doze anos depois, milícia e tráfico estão tão juntos e misturados que são chamados de narcomilícias. Dominam parte considerável do território de várias outras metrópoles, da Bahia ao Amazonas, para ficar apenas em dois exemplos.
Tanto aqui como no Equador, o combustível para a disseminação do crime organizado é a corrupção policial. Ainda não temos chefes de cartéis dando coletivas em presídios, mas desembargadores dão liminares soltando chefes de facção durante o plantão judicial.
Citado na CPI das Milícias, o ex-deputado estadual Domingos Brazão se tornou conselheiro do Tribunal de Contas do Estado. No final de 2023, a Polícia Federal fez uma devassa nos endereços da deputada estadual Lucinha (PSD), chamada de Madrinha pelos cabeças da maior milícia do estado — organização suspeita de ter ordenado o assassinato de uma policial militar que os investigava.
Não se viu ainda uma fuga tão espetacular como a do equatoriano Fito, mas há dois meses um dos líderes da milícia amiga de Lucinha, que deveria ter sido mantido preso, saiu pela porta da frente da cadeia e se escafedeu depois de um “erro de comunicação” entre a Justiça e a Secretaria de Administração Penitenciária do Rio.
Como o combate às milícias é atribuição do estado, muita gente questionou se o apelo de Paes ao governo federal não teve o propósito de fustigar o governador Cláudio Castro (PL), aliado do bolsonarista Alexandre Ramagem (PL-RJ) na disputa pela prefeitura neste ano.
Ou se não queria levantar a bola de Ricardo Cappelli, a quem dirigiu a postagem — o secretário executivo de Flávio Dino, afinal, tentou até a última hora se viabilizar como opção para o Ministério da Justiça em vez de Ricardo Lewandowski.
Mesmo que tais suposições fossem verdadeiras, a contaminação da polícia e da política fluminense pelo crime justifica a desconfiança. Não fosse assim, as investigações do caso Marielle Franco não teriam sido federalizadas.
No momento em que o presidente da República nomeia um novo ministro da Justiça e em que se ouve nos bastidores que a escolha de Lewandowski tem a ver com o fato de Lula achar estar na hora de colocar no posto alguém low profile para se contrapor à eloquência de Dino e Cappelli.
Se o novo ministro da Justiça falará mais ou menos, porém, importa pouco. O que interessa é saber quanto ele está disposto e habilitado a apostar em políticas públicas que limpem a polícia e retomem dos criminosos o domínio dos territórios. Até agora, não se sabe o plano de Lewandowski, se é que ele tem algum. Mas o alerta do Equador está aí, e desprezá-lo não é uma opção.
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