domingo, 28 de janeiro de 2024

O 'SNI PARTICULAR' DE JAIR

Eliane Cantanhêde, O Estado de S. Paulo

Ramagem não agira por conta própria, mas dentro da engrenagem do golpe e a mando de Bolsonaro

Ao anunciar que tinha um “sistema particular de inteligência”, na reunião ministerial tenebrosa de maio de 2020, o então presidente Jair Bolsonaro confessou um crime, a manipulação das instituições e uma velha prática: a confusão entre o público e o privado. O sistema de inteligência do Estado não é propriedade de presidentes e nunca poderia ser considerado “particular”, assim como Exército Brasileiro nunca deveria ser chamado de “meu Exército”.

Os sistemas que Bolsonaro tentou transformar em “particulares” foram os de inteligência, como Polícia Federal e Agência Brasileira de Inteligência (Abin); os armados, Exército, Marinha e Aeronáutica, além de PRF e até polícias estaduais; e os de investigação e controle, como Receita Federal (impostos) e Coaf (operações financeiras “atípicas”).

Na direção da Abin, o delegado e agora deputado Alexandre Ramagem não usava os instrumentos espiões e ilegais da agência por decisão e interesse próprios contra ministros do Supremo, presidente da Câmara e até promotora do caso Marielle, mas sim a mando do chefe Bolsonaro, contra os que ameaçavam seus devaneios golpistas e a favor, por exemplo, dos filhos.

Poderia ser ainda pior. Bolsonaro chegou a nomear Ramagem para a direção-geral da PF e, se a Abin é órgão de inteligência, a PF é também operacional, com mão na massa – e no revólver. Apesar de criticado, o ministro do STF Alexandre de Moraes alegou “desvio de finalidade” e impediu a ida de Ramagem para a PF. E não foi por “perseguição”, mas por informação, sua especialidade.

Moraes já sabia que Ramagem usava a Abin para monitorar os passos de cidadãos e autoridades por interesses políticos, o que é crime previsto no artigo 5.º da Constituição (sobre direitos individuais) e método clássico de ditaduras. É assim que Nicolás Maduro acaba de prender 32 críticos do regime na Venezuela.

As investigações sobre a Abin dos tempos de Ramagem e Bolsonaro são parte do processo de desvendar e desbaratar o aparato montado para controle de cidadãos e preparação de um golpe, incluindo o Ministério da Justiça, que listou 579 nomes de professores e funcionários públicos federais e estaduais “antifascistas” (contrários a Bolsonaro). Com que finalidade? O ministro era Anderson Torres, também delegado de carreira da PF, que estava metido na tentativa de golpe e acabou preso.

Um Ramagem daqui, um Anderson Torres dali, um Mauro Cid acolá…. Sem contar generais, de um lado, e figuras muito suspeitas, de outro: Fabrício Queiroz, Daniel Silveira, Walter Delgatti, Marcos do Val… Onde o Brasil foi se meter? Aliás, ainda há muito a investigar.

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