Reynaldo Turollo Jr, Andréia Sadi,
Blog da Andréia Sadi,
g1PF indicia Carla Zambelli e hacker Walter Delgatti por invasão do site do CNJ
Investigação encontrou no celular da deputada os documentos falsos inseridos por Delgatti nos sistemas do Judiciário. Para a PF, conduta de Zambelli foi 'incompatível' com o mandato.
A Polícia Federal concluiu o inquérito sobre a invasão do sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), registrada em 4 de janeiro de 2023, e indiciou o hacker Walter Delgatti Neto e a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) por suspeita de terem cometido diversas vezes os crimes de invasão de dispositivo informático e falsidade ideológica.
No hackeamento do CNJ, foram inseridos documentos falsos no sistema do Judiciário, como uma falsa ordem de prisão contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), imitando a assinatura dele mesmo.
O relatório da PF será analisado pela Procuradoria-Geral da República (PGR), que decidirá se denuncia ou não Carla Zambelli ao STF. Uma eventual denúncia, se recebida pelo Judiciário, marcaria o início da ação penal que pode levar à condenação ou absolvição. O relator dessa investigação no STF é Moraes.
Em nota, o advogado de Zambelli, Daniel Bialski, disse que ela não fez nenhum pedido para Delgatti invadir o sistema do CNJ.
"A defesa da deputada Carla Zambelli conquanto ainda não tenha analisado minuciosamente os novos documentos e o relatório ofertado pela Polícia Federal, REFORÇA que ela JAMAIS fez qualquer tipo de pedido para que Walter Delgatti procedesse invasões à sistemas ou praticasse qualquer ilicitude", afirmou o advogado.
O advogado de Delgatti, Ariovaldo Moreira, afirmou que "não se surpreende com o indiciamento dele, pois, desde sua prisão, Walter confessa sua participação na invasão da plataforma do CNJ".
"O indiciamento de Carla Zambelli confirma que Walter, a todo momento, colaborou com a justiça, levando a PF até a mandante e financiadora dos atos perpetrados por ele. No mais, a defesa pretende reiterar o requerimento que tem como objetivo a liberdade de Walter, ausente motivo para manutenção da custodia cautelar, uma vez encerrada a investigação", disse Moreira.
Esse é o primeiro inquérito concluído pela PF que envolve aliados próximos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em contextos de ataque à democracia.
Zambelli foi a segunda deputada federal mais votada em São Paulo, com quase 1 milhão de votos, e era uma das principais aliadas do ex-presidente. Em 10 de agosto de 2022, às vésperas da eleição, ela levou Delgatti para um encontro com Bolsonaro no Palácio da Alvorada para falar sobre urnas eletrônicas.
A invasão do sistema do CNJ
Embora a PF não tenha encontrado trocas de mensagens entre Zambelli e Delgatti — ele relatou aos investigadores que apagava as conversas por precaução —, foram achados nos equipamentos pessoais de Zambelli, apreendidos em agosto, quatro documentos falsos inseridos criminosamente pelo hacker no sistema do CNJ.
Os documentos falsos são:
➡️Uma ordem de quebra do sigilo bancário de Moraes, gerada no computador de Delgatti no dia 4 de janeiro de 2023, às 22h22, e criada no celular de Zambelli apenas 22 segundos depois — o que deixa claro, segundo a PF, que "tão logo Walter baixou o documento do site do CNJ, ele o encaminhou para Carla, que o baixou/abriu";
➡️Um recibo de bloqueio de bens de Moraes, no valor de R$ 22,9 milhões (o mesmo valor da multa que o ministro impôs ao PL por contestar a eleição). O arquivo foi criado no equipamento de Delgatti no dia 4 de janeiro, às 22h23, e no celular de Zambelli no dia seguinte, 5 de janeiro, às 16h14;
➡️Um segundo recibo de bloqueio de bens do ministro, no valor de R$ 500 mil, criado no equipamento de Delgatti no dia 25 de novembro de 2022, às 22h34. A PF não encontrou exatamente o mesmo arquivo com Zambelli, mas achou seu teor reproduzido no celular dela em dois arquivos com nomes distintos gerados na mesma data, um às 22h15 e outro às 22h19 — antes, portanto, de o hacker inserir a ordem de bloqueio no CNJ;
➡️E a minuta do mandado de prisão contra Moraes, criada no computador de Delgatti no dia 4 de janeiro, às 17h12, e no celular de Zambelli na mesma data, às 18h39 — ou seja, segundo a PF, "1 hora e 27 minutos depois, claramente se tratando do documento que foi publicado na imprensa".
A minuta da falsa ordem de prisão contra Moraes foi publicada na imprensa na noite de 4 de janeiro, três horas após Zambelli recebê-la do hacker. A divulgação na imprensa alertou o CNJ sobre o hackeamento e motivou a investigação da PF.
Para a polícia, foi Zambelli que, após instigar o hacker a cometer a invasão do CNJ, divulgou o documento a jornalistas com o objetivo de difundir suspeitas sobre a credibilidade do Judiciário.
Na ocasião, apoiadores de Bolsonaro usaram o episódio para questionar nas redes sociais a lisura do processo eleitoral conduzido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que é presidido por Moraes. A divulgação da invasão do CNJ ocorreu às vésperas dos atos golpistas do 8 de janeiro, quando militantes extremistas acampavam em frente aos quartéis do Exército.
'Conduta incompatível'
Segundo o relatório da PF, Delgatti foi "instigado pela parlamentar para acessar o sistema do CNJ, com o intuito de causar prejuízo à imagem do Judiciário e de um ministro do STF [...]", "tanto que [Zambelli] recebeu os documentos comprovando as invasões ao sistema e as inserções de documentos falsos".
"Muito embora não se possa atribuir à Deputada Carla Zambelli a inserção dos alvarás falsos e outros crimes cometidos por Walter, a conduta da mesma de instigação a invadir o sistema do CNJ colocou em risco um Poder da República, o Judiciário, assim como a imagem do Poder Legislativo, sendo incompatível com a atividade parlamentar, notadamente em razão do modo de agir e da gravidade do risco", concluiu a PF.
Delgatti está preso desde agosto por causa da investigação do hackeamento do CNJ. Em depoimento à PF, ele confessou o crime e relatou a participação da deputada federal. O hacker disse que Zambelli escreveu o texto da falsa ordem de prisão — que começava chamando Moraes de "Deus do Olimpo" e terminava com o slogan da campanha do presidente Lula, "faz o L".
O que disse a deputada na investigação
Zambelli sempre negou ter tido conhecimento da invasão do CNJ. Ela afirmou à PF que contratou Delgatti em 2022 para cuidar de seu site e de suas redes sociais, e que jamais pediu que ele cometesse crimes.
A PF identificou que parte dos relatos do hacker eram mentira. Delgatti tentou envolver nos crimes um assessor e um ex-assessor da deputada que fizeram transferências bancárias para ele, num total de R$ 13,5 mil.
A investigação apontou que esse valor não teve relação com a invasão do CNJ e que os funcionários de Zambelli são inocentes. Por isso, a polícia também indiciou o hacker por denunciação caluniosa.
O relatório da PF afirma que:
➡️Zambelli cometeu quatro vezes os crimes de invasão de dispositivo informático qualificado (artigo 154-A do Código Penal) e falsidade ideológica (artigo 299 do Código Penal). Somadas, as penas máximas podem chegar a 28 anos de prisão, em caso de condenação;
➡️Delgatti cometeu nove vezes o crime de invasão de dispositivo informático qualificado e 22 vezes o de falsidade ideológica. Além dos documentos falsos contra Moraes, o hacker também inseriu no CNJ falsos alvarás de soltura para beneficiar criminosos que cumprem pena.
'Encontro fortuito' com o hacker
Ainda segundo a PF, Zambelli disse em depoimento que, quando contratou Delgatti para serviços de informática, não sabia quem ele era.
No entanto, ela publicou em seu perfil no X (antigo Twitter), em 28 de julho de 2022, uma foto de um encontro com o hacker, com a seguinte legenda: "O homem que hackeou 200 autoridades, entre ministros do Executivo e do Judiciário brasileiro [...] muita gente deveria ficar com o cabelo em pé (os que têm) depois desse encontro fortuito".
Amigo não indiciado
Um amigo de Delgatti, Thiago Eliezer Santos, que havia sido acusado pelo hacker de ter participação no crime, não foi indiciado. A PF não encontrou provas do envolvimento dele. As defesas já foram comunicadas sobre o relatório final da investigação.
Os advogados Luís Gustavo Delgado Barros e Fabrício Martins Chaves Lucas, que defendem Thiago Eliezer, afirmaram em nota que ele "colaborou plenamente com as autoridades, fornecendo todas as informações solicitadas e mantendo total transparência em suas ações".
"A ausência de indiciamento de Thiago Eliezer é uma confirmação de sua inocência e do respeito ao devido processo legal. Esta situação evidencia a habilidade de Walter Delgatti Neto em enganar as autoridades, persuadindo-as a realizar buscas e apreensões equivocadas, [...] padrão que já foi observado na Operação Spoofing, onde infelizmente o Judiciário e as autoridades se apegaram apenas ao calor das teorias", diz a nota.