Tratar o bolsonarismo como um movimento de elite em 2024 é puro elitismo
É quase irresistível não fazer piada sobre os participantes da manifestação convocada por Jair Bolsonaro. Tudo tão caricato, mas o que vimos é mais alarmante do que cômico. Em público, integrantes do governo Lula ironizaram, enquanto o presidente reconheceu que foi "grande". Pelo menos temos um adulto na presidência.
Tanto faz se foram 185 ou 700 mil, era gente para dedéu na rua, sem falar de lives que reuniram mais de 200 mil pessoas e da mobilização nas redes, na quantidade de artigos, muitos desmerecendo o significado do ato, além dos que se lambuzaram em etarismo, racismo e elitismo. Por mais engraçado que seja, as senhoras que entoam Geraldo Vandré devem acreditar que lutam pela democracia e talvez estejam dispostas a pegar em armas para defendê-la da ditadura em que acreditam viver. O nível de dissonância cognitiva é grande, mas produzir meme não dissolve essa massa antidemocrática.
Tratar o bolsonarismo como um movimento de elite em 2024 é puro elitismo. Mais fácil personificar a extrema-direita como a velha loira botocada do que reconhecer que Bolsonaro conquistou o voto de gente preta e pobre, que deu as caras na Paulista. Tratá-los como coadjuvantes, numa manifestação em que os endinheirados só participaram porque não querem voltar a dividir o avião com os menos afortunados, é classismo. É enxergá-los apenas como massa de manobra e não como cidadãos atuantes na política. O Brasil é conservador e se encontra muito mais nas bandeiras autoritárias do bolsonarismo do que nas pautas de gente que desfila sua Birken em Santa Cecília.
Não sei se a esquerda morreu como esquerda, como afirma o filósofo Vladimir Saflate, mas anda muito distraída e ensimesmada com o fato de ter voltado ao poder, sem reconhecer que venceu uma eleição dificílima e que talvez o verdadeiro segundo turno seja o de 2026. Como vimos em 2018, gente ignorante e caricata ganha eleição.
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