Brasil ainda é país intermediário, mas as circunstâncias externas vêm mudando para valer
No campo internacional, o Brasil joga no time dos intermediários. São países dotados de peso regional e alguma capacidade de influir nos assuntos globais, desde que de forma coordenada. Organizam coalizões, negociam conflitos e figuram entre os grandes defensores das instituições multilaterais –que lhes oferecem condições melhores para lidar com as grandes potências.
Nesse figurino, nossa política externa soube aproveitar, décadas a fio, as possibilidades abertas pelo porte do país e os seus recursos de poder. Para tanto, arrimou-se numa diplomacia profissional sóbria nos gestos, consciente dos seus limites, atenta às oportunidades e, sobretudo, firme na defesa da autonomia em face das nações mais poderosas.
A tradição acumulada pelo Itamaraty foi essencial para a criação de uma imagem externa respeitável —e respeitada. A diplomacia presidencial adicionou-lhe ganhos especiais, quando o primeiro mandatário mostrou gosto pela atuação internacional, como ocorreu, no passado, com Fernando Henrique e nos dois primeiros governos Lula.
O Brasil ainda é um país intermediário, mas as circunstâncias externas vêm mudando para valer. A América do Sul é um caleidoscópio político a dificultar ações concertadas. As instituições multilaterais que deram forma à ordem internacional liberal –notadamente o sistema das Nações Unidas– deixam a desejar. A urgência ambiental requer coordenação difícil de construir. A China em ascensão redesenha alianças e põe em confronto duas formas de capitalismo: um, assentado em férreo autoritarismo; outro, no qual há certo espaço para a democracia, o pluralismo de visões e o reconhecimento dos direitos humanos.
Para nós outros os dilemas são reais. Enquanto os imperativos do comércio nos empurram para o Oriente, onde viceja o capitalismo autoritário, a aspiração por mais democracia e respeito aos direitos e liberdades civis nos torna inapelavelmente ocidentais.
Dito de outro modo, a bússola que orientou nossa política externa sóbria, realista e soberana já não consegue apontar com nitidez os pontos cardeais. Disso é prova uma certa falta de foco na agenda externa. Já não bastasse, entram em cena as desastradas declarações do presidente da República sobre as questões internacionais da hora.
Mais do que demonstrar desconhecimento, facilmente superável por bons assessores internacionais, os improvisos presidenciais têm revelado ausência de clareza sobre valores, objetivos e estratégias. Essa carência nos faz humanitários em Gaza, realistas na Ucrânia, mudos frente à sina no Haiti.
Em suma, desorientados diante do mundo.
*Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
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