Fala de Lula nos isola do mundo democrático e fortalece a oposição no Brasil
A fala do presidente caiu como uma bomba: "O que está acontecendo na Faixa de Gaza e com o povo palestino não existe em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu: quando o Hitler resolveu matar os judeus".
Não sei se era sua intenção, mas foi o que Lula conseguiu: esfriou ainda mais as relações do Brasil com o mundo democrático e fez com que o assunto central do debate público brasileiro nas últimas 24 horas voltasse a ser o conflito Israel-Palestina.
E com razão. A comparação é esdrúxula. A campanha de bombardeios israelenses na Faixa de Gaza é desproporcional, deve ser publicamente denunciada —como tantos bombardeios em tantas guerras presentes e passadas—, mas genocídio não é.
Israel está numa campanha de bombardeios incessantes contra um inimigo que o atacou, sempre tem combatentes como alvos e tem tomado medidas para reduzir a inevitável morte de civis. Ou ao menos é o que alega, sem que nenhum daqueles que acusam-no de genocídio —inclusive África do Sul e Brasil— tenham até agora tentado refutar. O genocídio nazista, ademais, teve características únicas —como a organização industrial do morticínio em massa— que o tornaram ainda mais monstruoso.
Para completar, é evidente que usar a comparação com Hitler para o Estado de Israel seria sentido como ofensivo pelos israelenses e para muitos judeus por todo o mundo. Lula conseguiu, com uma fala apenas, ser declarado "persona non grata" em Israel e receber os elogios efusivos de ninguém menos que o Hamas, grupo terrorista que comanda a Faixa de Gaza e quer exterminar Israel.
Supostamente, a linha-mestra da nossa política exterior era manter a neutralidade pragmática, dialogar com todos. Não está parecendo muito neutro agora. Será que Lula e seus assessores internacionais querem exercer o papel de mediadores no conflito Israel-Palestina, quem sabe selando a paz quando tantos outros falharam? Esperam ser mais bem-sucedidos nisso do que foram na mediação entre Rússia e Ucrânia?
Janja e Celso Amorim adoraram a fala de Lula. O chanceler israelense chamou-a de "ataque antissemita". Eu fico com o diagnóstico do diplomata francês Gérard Araud —ex-embaixador em Washington— que definiu assim a posição do Brasil na política internacional: "Um terceiro mundismo tão caricatural que defende até a Coreia do Norte". Verdade seja dita, Lula e Amorim ainda não chegaram a isso. Ainda.
Se no mundo a reação não foi boa, aqui no Brasil foi péssima —para o governo. Segundo dados coletados pela agência de pesquisa Quaest, 90% das menções sobre o assunto —que tomou as redes nos últimos dois dias— foram negativa para o presidente. A oposição deitou e rolou, falou até em impeachment (é claro que não acontecerá), e Bolsonaro deve estar até agora agradecendo Lula por ter tirado a trama golpista dos holofotes.
Lula venceu as eleições por uma fina margem. Nessa polarização de dois grandes blocos, o pequeno contingente de liberais e independentes acabou sendo o fiel da balança que lhe garantiu a vitória. Ao se indispor com a maioria para alegrar uma base radicalizada que votará na esquerda de qualquer maneira, Lula cava um pouquinho mais a rejeição junto aos moderados. Se da oposição surgir alguma liderança que não atente contra a democracia como fez Bolsonaro, esse tipo de posicionamento irresponsável pode cobrar um alto preço lá na frente.
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