domingo, 4 de fevereiro de 2024

O BRASIL É UMA IMAGEM INVERTIDA DE SINGAPURA

Marcus André Melo, Folha de S.Paulo

No que se refere à corrupção e à democracia, o Brasil é uma imagem invertida de Singapura. À frente da Suécia e da Suíça, no ranking da Transparência Internacional (TI), Singapura é um dos países menos corruptos do mundo. Mas o país não é uma democracia; seu escore no Índice da Freedom House é idêntico ao de Moçambique e Gâmbia. O escore do Brasil é quase o dobro (44 vs 74, na média), mas a corrupção é alta.

A publicação do Relatório Geral da entidade gerou protestos. A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, atacou-a: "de transparente só tem o nome". O governo da Rússia também. O procurador-geral do país emitiu nota quando o relatório anual do ano passado foi divulgado: "a organização é uma ameaça à ordem constitucional e segurança da Federação Russa". Também Maduro já disparou contra a TI e disse que nenhum outro governo fez mais no combate a corrupção que o seu ou o de Chávez. A Venezuela lidera o ranking da corrupção na América Latina há anos.

Este contraste entre os dois países é contraintuitivo: em geral, assume-se que democracia e percepção baixa da corrupção caminham juntos. Quando há um processo de democratização, há mais exposição da corrupção e, portanto, há um aumento na corrupção percebida, mesmo que a corrupção real aumente, diminua ou permaneça a mesma. (veja um estudo clássico aqui)

Entretanto, no médio ou longo prazo, esperamos que ocorra um efeito dissuasório, pois, com a democracia, há mais transparência, menos impunidade e menos aceitação da corrupção. Se a democracia implica o fortalecimento do Estado de direito, esse efeito levará a um declínio da corrupção, pois os controles eficazes inibem a prática da corrupção.

Mas sim, a democracia (regra da maioria) e governo limpo (onde não há uso de recursos públicos para ganhos privados) podem estar separados. É o que ocorre no Brasil: a intolerância em relação a abusos autoritários e violação de direitos aumentou, enquanto a intolerância com a corrupção diminuiu. O que se observa não é prática direta da corrupção mas o enfraquecimento brutal de seu combate. A OCDE expressou preocupação neste sentido nos últimos anos. O risco é a volta para o equilíbrio secular anterior de impunidade atávica. O futuro está aberto.

Este contraste entre os dois países é contraintuitivo: em geral, assume-se que democracia e percepção baixa da corrupção caminham juntos. Quando há um processo de democratização, há mais exposição da corrupção e, portanto, há um aumento na corrupção percebida, mesmo que a corrupção real aumente, diminua ou permaneça a mesma. (veja um estudo clássico aqui)

Entretanto, no médio ou longo prazo, esperamos que ocorra um efeito dissuasório, pois, com a democracia, há mais transparência, menos impunidade e menos aceitação da corrupção. Se a democracia implica o fortalecimento do Estado de direito, esse efeito levará a um declínio da corrupção, pois os controles eficazes inibem a prática da corrupção.

Mas sim, a democracia (regra da maioria) e governo limpo (onde não há uso de recursos públicos para ganhos privados) podem estar separados. É o que ocorre no Brasil: a intolerância em relação a abusos autoritários e violação de direitos aumentou, enquanto a intolerância com a corrupção diminuiu. O que se observa não é prática direta da corrupção mas o enfraquecimento brutal de seu combate. A OCDE expressou preocupação neste sentido nos últimos anos. O risco é a volta para o equilíbrio secular anterior de impunidade atávica. O futuro está aberto.

Os tribunais superiores refletem esta tensão. O STF enfrentou uma escolha entre controlar abusos de um líder iliberal e apoiar a Lava Jato, como vinha fazendo (como mostrei aqui). Optou pela primeira. A escolha implica a impunidade de malfeitos. Mas a defesa da democracia pode chegar ao ponto de se utilizar meios não democráticos para defender a própria democracia. Uma espécie de tiranofobia seletiva: autoritários serão punidos e democratas corruptos tolerados.

Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).

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